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sexta-feira, 7 de maio de 2010

A GRANDE TRANSFORMAÇÃO É O EVANGELHO (1)

A GRANDE TRANSFORMAÇÃO É O EVANGELHO (I)
GIBEÁ*


Sob o título “A grande transformação”, o Partido dos Trabalhadores (PT), ao final do seu IV Congresso, apresentou à sociedade brasileira as diretrizes do programa de governo que pretende apresentar nas eleições gerais deste ano, programa este que norteará a candidatura de Dilma Roussef à Presidência da República, com a qual o PT pretende ficar pelo menos mais quatro anos à frente dos destinos do Brasil.

Esta resolução do PT não pode ser considerada o programa de governo definitivo da candidata, visto que sua candidatura será apoiada por um número razoável de partidos políticos, em especial o PMDB, que já adiantou que exigirá participar da elaboração do programa de governo. No entanto, como o PT é a força majoritária desta coalizão e o que tem a esmagadora maioria dos cargos em comissão da Administração Pública Federal, não se pode deixar de observar que é nesta resolução que teremos os parâmetros que querem induzir o Brasil nos próximos quatro ou oito anos, até porque o mesmo PMDB não passa, hoje, de uma federação fragmentada de grupos políticos regionais.

Enquanto portadores de dupla cidadania, dos céus e da Terra, os servos de Cristo Jesus precisam, em instantes cruciais como o que vivemos, ter uma postura política consciente e fazer com que seu direito e dever de votar seja utilizado com a finalidade de cumprir a missão que é imposta a todo salvo em Jesus: o de ser luz do mundo e sal da terra, o de pregar o Evangelho a toda criatura.

A pregação do Evangelho não se faz apenas em sermões, mas, sobretudo, em nossa maneira de viver, que não pode ser vã, ou seja, vazia de sentido, mas que reflita não só que temos como alvo as moradas celestiais, mas, também, a realização do reino de Deus, que já está entre nós, na sociedade em que vivemos.

Somente demonstraremos que Jesus nos salvos e nos libertou do pecado se, de forma efetiva e concreta, contribuirmos para que este mundo seja mudado pelo Evangelho, o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, se agirmos de modo a que o mundo veja e entenda que há salvação na pessoa de Cristo, que é possível construir-se uma civilização com base no amor a Deus e no amor ao próximo.

Para tanto, devemos, como cidadãos, examinar os programas de governo, as propostas trazidas à sociedade e, dentro de uma perspectiva evangélica, observar o que é conforme com a Palavra de Deus e o que não o é, pois, na luta pela construção de uma sociedade fraterna e solidária, sob a égide do amor, não podemos nos iludir: quem não é com Cristo, é contra Ele e quem com Ele não ajunta, espalha (Mt.12:30; Lc.11:23).

Neste passo, aliás, de lembrarmos o teor do início do oitavo mandamento do Decálogo do Voto Ético da Associação Evangélica Brasileira, que fazemos questão de reproduzir:

“…VIII. Os votos para Presidente da República e para cargos majoritários devem, sobretudo, basear-se em programas de governo, e no conjunto das forças partidárias por detrás de tais candidaturas que, no Brasil, são, em extremo, determinantes; não em função de "boatos" do tipo: ‘O candidato tal é ateu’; ou: ‘O fulano vai fechar as igrejas’; ou: ‘O sicrano não vai dar nada para os evangélicos’; ou ainda: ‘O beltrano é bom porque dará muito para os evangélicos’. É bom saber que a Constituição do país não dá a quem quer que seja o poder de limitar a liberdade religiosa de qualquer grupo. Além disso, é válido observar que aqueles que espalham tais boatos, quase sempre, têm a intenção de induzir os votos dos eleitores assustados e impressionados, na direção de um candidato com o qual estejam comprometidos.…” (Disponível em: http://www.montesiao.pro.br/estudos/politica/decalogo_voto.html Acesso em 03 mar. 2010.

Ao apresentar suas diretrizes à sociedade brasileira, o PT cumpre o seu papel como partido político e nós, servos de Cristo Jesus no Brasil, também temos de cumprir o nosso papel, avaliando a proposta e verificando se ela condiz, ou não, com o Evangelho, a fim de que não venhamos a acreditar em “boatos”, como bem lembra o mencionado Decálogo.

Iremos, pois, analisar os principais tópicos da referida resolução.

A resolução começa com um louvor ao governo Lula, diante do bom momento econômico vivido pelo Brasil, apesar da crise econômico-financeira de 2008, adotando o espírito do “nunca antes neste país”, bordão com que o Presidente da República costuma utilizar como que a dizer que seu governo representa uma ruptura, um reinício da história do Brasil, o que, à evidência, não corresponde à realidade.

A resolução diz que “há sete anos o Brasil passa por uma grande transformação econômica, social e política”, porque “a economia brasileira voltou a crescer” e “numa lógica distinta daquela do passado”. “Ele [o crescimento da economia brasileira] se faz com forte distribuição de renda, com inédito equilíbrio macroeconômico, com redução da vulnerabilidade externa e, sobretudo, com fortalecimento da democracia.…”

Não resta dúvida de que o governo Lula realmente intensificou a distribuição de renda, que já se iniciara, como demonstram os indicadores sócio-econômicos, no governo anterior de Fernando Henrique Cardoso. O Brasil, embora ainda seja um país de grande concentração de renda e de uma desigualdade social ainda vergonhosa, tem diminuído esta diferença, ainda que não se tenham criado condições para que tal mudança seja consistente.

Entre 2003 e 2008, segundo o IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicada) do Ministério do Planejamento, “…a população indigente caiu quase pela metade, saindo de 6,04 milhões para 3,12 milhões nos cinco anos. Os pobres são 11,35 milhões, ante os 15,44 milhões do começo do período, e os ricos passaram de 362,26 mil para 476,59 mil…” (Cai número de pobres e indigentes no Brasil, mostra IPEA. Disponível em: http://oglobo.globo.com/economia/mat/2008/08/05/cai_numero_de_pobres_indigentes_no_brasil_mostra_ipea-547583464.asp Acesso em 04 mar. 2010).

A existência de programas de redistribuição de renda é, sem dúvida, algo que deve ser apoiado pelos seguidores do Evangelho de Jesus Cristo, visto que as Escrituras Sagradas mostram, claramente, que é da vontade de Deus que não haja gritantes diferenças entre as pessoas numa sociedade, como se verifica de instituições criadas por Deus para Israel como o ano do jubileu (Lv.25) e a lei da respiga (Lv.19:9,10), até porque sempre existirá a pobreza (Jo.12:8)..

No entanto, programas de redistribuição de renda têm de ser acompanhados de mecanismos que criem condições para que a ajuda emergencial seja temporária e se permita aos necessitados condições para que tenham como adquirir seu sustento por meio do trabalho, que é a forma estabelecida por Deus para a sobrevivência do homem sobre a face da Terra (Gn.2:15; 3:17-19).

O trabalho é essencial ao homem, porque, por meio dele, o homem se assemelha ao seu Criador (Jo.5:17). Jesus, mesmo, deu o exemplo sendo um carpinteiro enquanto não se dedicou ao Seu ministério salvífico (Mt.13:55; Mc.6:3).

Os instrumentos existentes em Israel promoveriam, se fossem respeitados pelos israelitas, uma distribuição de renda mais justa e não permitiriam a opressão dos pobres, que ficavam à mercê dos ricos, precisamente o que foi denunciado pelos profetas no período final da história dos reinos independentes seja de Israel, seja de Judá, como vemos, por exemplo, em Amós (Am.2:6,7; 4:1; 5:11,12) e em Miqueias (Mq.2:1,2; 3:1-3).

Destarte, se é necessária uma política de redistribuição de renda, que faça com que se diminua a distância abissal entre os mais ricos e os mais pobres em nosso país, isto deve ser feito de forma permanente.

O que se tem verificado é que os programas de redistribuição de renda têm sido desacompanhados de outros mecanismos que permitam aos seus beneficiários terem independência do governo, tanto que, apesar da diminuição da desigualdade, o número de beneficiários do Bolsa-Família aumentou ainda mais, sendo certo que, neste ano de 2010, foi adiado para o dia 1º de novembro (não coincidentemente um dia depois da data prevista para um eventual 2º turno das eleições presidenciais), a aplicação dos critérios para exclusão de quem não mais necessita do benefício, que hoje atinge 12,9 milhões de pessoas, depois que o próprio governo ampliou o universo de beneficiários em 2009.

Como se isto fosse pouco, notamos que, embora no Orçamento de 2010 esteja previsto gasto de R$ 13,1 bilhões com o Bolsa-Família e de R$ 7,26 bilhões com o programa Minha Casa, Minha Vida , com juros da dívida interna, o Governo gastará R$ 172 bilhões, ou seja, 8,44 vezes mais.

Sem levar em conta as medidas que favoreceram o capital em meio à crise econômico-financeira, que representaram uma renúncia de R$ 12,4 bilhões em tributos, antes das prorrogações, tendo, ao todo, mobilizado cerca de R$ 483 bilhões para os mais diversos setores da economia, valor que representa 23,72 vezes mais que o que se gasta com os dois principais programas.

É evidente que a ajuda do governo em meio à crise tem um alcance social inegável, pois impediu o aumento do desemprego e a estagnação econômica do país, mas a diferença de valores mostra como ainda estamos longe de uma redução da desigualdade social, de um tratamento mais equilibrado e igualitário, apesar do discurso petista, mais ainda quando se verifica o “inchaço” da Administração com o preenchimento dos cargos em comissão pela militância petista, que gastou R$ 1,2 bilhão em 2009, quando, em 2002, o gasto era de R$ 555 milhões. Isto significa que o gasto com os “companheiros” chega a quase 10% do gasto com o Bolsa Família, sendo que são 22.897 ocupantes de cargos e 12,9 milhões de pessoas os beneficiários do Bolsa Família, numa evidente desigualdade.

Mas não é só!

Como afirma o jornalista Vinicius Torres Freire, editor de Economia da Folha de São Paulo, o governo Lula é um dos grandes responsáveis pela criação de “conglomerados econômicos” em nosso país (FHC privatiza, Lula conglomera. Folha de São Paulo, 02 fev. 2010. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi0202201015.htm Acesso em 02 fev. 2010), o que contribui enormemente para a concentração de renda e para um quadro que facilita a perpetuação da desigualdade. Interessante notar que boa parte destes “impérios empresariais” surgidos nestes oito anos de governo Lula têm sua base em “empreiteiras” (Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez), cujas ligações com os políticos e as malfeitorias por eles praticadas é dispensável mencionar e as operações da Polícia Federal estão aí para mostrar (para não dizer que se trata de “intriga da oposição” ou de “conversa fiada” do que os petistas costumam denominar de “opinião publicada”).

Aliás, no biênio 2009/2010, segundo Vinicius Torres Freire, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) terá R$ 180 bilhões do Tesouro Nacional (ou seja, 8,84 vezes mais do que o reservado para os dois principais programas sociais do governo), para atuar na economia, principalmente para ajudar este processo de concentração, que também foi vista no setor de carnes (JBS), no setor de alimentos (Perdigão-Sadia), da telefonia (Oi), celulose (Aracruz-Votorantim) e até no comércio varejista (Pão de Açúcar-Casas Bahia).

Não bastasse isso, temos os “fundos de pensão”, os grandes “investidores privados” do país, quase todos eles controlados por “companheiros” advindos das burocracias sindicais e que fizeram carreiras nas empresas estatais e sociedades de economia mista que criaram estes fundos (Previ, do Banco do Brasil; Petros, da Petrobrás; Funcef, da Caixa Econômica Federal, entre outros), os quais, também, contribuem enormemente para que se façam os “negócios” que levam à concentração de renda, gerando, assim, o que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso denominou de “…a aliança entre o Estado, os sindicatos, os fundos de pensão e os felizardos de grandes empresas que a eles se associam.” (Para onde vamos. Estado de São Paulo. 01 nov. 2009. Disponível em: http://blog-abulafia.blogspot.com/2009/11/para-onde-vamos-por-fernando-
henrique.html Acesso em 02 nov 2010).

Com a palavra a Folha de São Paulo, em editorial de 8 de março de 2010: “O PATRIMÔNIO dos fundos de pensão fechados no Brasil cresceu rapidamente nos últimos anos e atingiu quase R$ 500 bilhões em fins de 2009. Há, além disso, uma forte concentração dos recursos em fundos patrocinados por empresas estatais -os três maiores do país (Previ, Funcef e Petros) detinham em novembro de 2009 um patrimônio de R$ 219 bilhões, equivalente a 45% do total do setor. É por meio deles -e do BNDES- que o governo vem aumentando sua influência nos principais setores da economia.(…). Os fundos de pensão patrocinados por empresas públicas estão sendo metamorfoseados em instrumentos de poder político, a serviço do governo de plantão e da burocracia sindical que hoje domina as representações de empregados e empregadores.(…). O problema é o enfraquecimento dos freios e contrapesos institucionais que estão na base de uma fiscalização eficaz. Com isso, abre-se caminho para a fusão de interesses entre governo, sindicatos, fundos de pensão e empresários favoritos, que, se perenizada, pode vir a representar até uma ameaça ao bom funcionamento da democracia.…” (FOLHA DE SÃO PAULO. Estado empresarial. 8 mar. 2010. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0803201001.htm Acesso em 08 mar. 2010).

A propósito, a ajuda do BNDES não se limita a atividades destes “conglomerados” no país. Segundo notícia publicada na Folha de São Paulo: “…Em 2009, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) bateu o recorde em sua linha de financiamentos às exportações de serviços e bens brasileiros para a América Latina e o Caribe: desembolsou US$ 726 milhões a países da região, sobretudo para a contratação de obras de infraestrutura, realizadas por empreiteiras brasileiras. Na média anual do primeiro mandato de Lula (2003 a 2006), os desembolsos ficaram em US$ 352,1 milhões -cifra 26% superior à média do segundo governo FHC. Essa média subiu 77% no segundo mandato de Lula, para US$ 622 milhões, segundo dados compilados a pedido da Folha. Lançada em 1997, a linha especial de crédito já movimentou US$ 4,9 bilhões na América Latina.(…). Entre as construtoras, a Odebrecht, há 30 anos no mercado externo, foi a maior beneficiada. Dos cerca de US$ 600 milhões que a empresa recebeu em 2009 dessa linha do BNDES, 80%, ou US$ 480 milhões, foram referentes a contratos na Argentina e na República Dominicana -o restante corresponde a Angola.…” (ANTUNES, Cláudia e SOARES, Pedro. BNDES bate recordes de desembolsos à AL. Folha de São Paulo, 08 mar. 2010. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi0803201007.htm Acesso em 08 mar. 2010).

Não é de impressionar que os megaempresários do país sejam grandes entusiastas da continuidade do governo Lula, como nos mostrou, recentemente, Abílio Diniz, na posse do novo presidente do Grupo Pão de Açúcar. Como diz o sociólogo Francisco de Oliveira, em reportagem da Folha de São Paulo, “…o segundo[ o presidente Lula, observação nossa], ao favorecer a fusão de empresas, promove uma ‘centralização de capitais de uma forma que o Brasil jamais viu’ (ANTUNES, Cláudia. Capitalismo de FHC é de museu, diz sociólogo. Folha de São Paulo. 11 mar. 2010. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1103201006.htm Acesso em 11 mar. 2010).

Ora, como falarmos em uma real e consistente redistribuição de renda, de maior igualdade entre os cidadãos, se vemos as “vacas de Basã” (Am.4:1), cada vez mais fortes e mais livres para “oprimir os pobres”, “quebrantar os necessitados” e dizer aos seus senhores (o governo): “Dá cá e bebamos”?

Ah, poderá alguém dizer, como querermos fazer uma crítica fundamentada ao governo Lula tomando um editor da “Folha de São Paulo” ou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso como parâmetros, conhecidos “inimigos” do PT?

Com a palavra o presidente do IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), órgão do Ministério do Planejamento, Márcio Poichmann, “petista de carteirinha” e que, inclusive, foi secretário da ex-prefeita de São Paulo, Marta Suplicy: “…O avanço das políticas públicas de caráter distributivo permitiu, em consequência, reduzir e até superar a pobreza extrema, quando não a absoluta, mesmo sem contemplar medidas contra a concentração da renda e riqueza.(…). Se os pobres pagam mais tributos proporcionalmente à renda que os ricos, as políticas distributivas podem reduzir a pobreza sem, contudo, diminuir decisivamente a concentração da renda e da riqueza. Por conta disso, a antiga medida de pobreza assentada no conceito de insuficiência de renda para atender determinado padrão de consumo mínimo ou básico passou a ser substituída pela medida de pobreza relativa. Ou seja, a pobreza que considera as condições de vida alcançada pelos ricos (concentração da renda), não somente o limite mínimo da sobrevivência ou da reprodução humana.(…) Foi nesse contexto que as políticas públicas distributivas (saúde, educação, transferência direta de renda) foram combinadas com as políticas redistributivas, o que tornou o sistema tributário comprometido com a justiça social. A progressão tributária sobre a distribuição da renda, acompanhada por políticas distributivas, possibilitou combater efetivamente as diferentes formas de pobreza. Essa é a fase em que o Brasil se encontra atualmente, e precisa urgentemente avançar.…” (Pobrezas. Folha de São Paulo, 05 fev. 2010. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0502201008.htm Acesso em 05 fev. 2010).

Pelo que se verifica, pois, também este integrante do governo Lula admite que a concentração de renda não diminuiu apesar da política empreendida e que é preciso avançar.

O que propõe a respeito o programa apresentado pelo PT à sociedade brasileira?

Vejamos o programa:

“…20. As possibilidades abertas para a sociedade com os grandes avanços científicos e tecnológicos, combinadas com a necessidade de expansão do mercado interno e a dura competitividade global, que a crise acentuou, exigem uma profunda transformação do sistema produtivo. Essa mudança já foi iniciada em muitos setores. Deve prosseguir a abordagem sistêmica, indutora e focada nas demandas das cadeias produtivas nacionais e do consumo. É necessário ampliar a articulação entre os diversos planos de desenvolvimento, como os PAC 1 e 2, com outros planos setoriais e das empresas estatais.

21. Para tanto, será necessário:

a) aprofundamento das políticas creditícias para o setor produtivo por parte do BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, BNB e BASA. Os bancos devem orientar-se para a produção e o consumo, a custos cada vez menores, de modo a promover o emprego e a renda em um quadro de estabilidade monetária;

b) apoio à internacionalização das empresas brasileiras, garantido o interesse nacional e respeitada a soberania e as leis das nações;

O programa, pelo que se verifica, defende a continuidade do processo, sem qualquer avanço para o fim do que Poichmann chama de “pobreza relativa”. É a perpetuação da “aliança” mencionada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. É a política da alimentação crescente das vacas de Basã, o que não pode ser aceito por quem segue a Palavra de Deus.

A propósito, vemos aqui a concretização daqueles dois obstáculos que o Papa João Paulo II identificava como fatores alimentadores das estruturas sociais de pecado, “in verbis”: “ …As ações e as atitudes opostas à vontade de Deus e ao bem do próximo, e as estruturas a que elas induzem parecem ser hoje sobretudo duas: ‘Por um lado, há a avidez exclusiva do lucro; e, por outro lado, a sede do poder, com o objetivo de impor aos outros a própria vontade. A cada um destes comportamentos, pode juntar-se, para os caracterizar melhor, a expressão ‘a qualquer preço’ (Encíclica Solicitudo rei socialis, nº 37). “ (PONTÍFÍCIO CONSELHO “JUSTIÇA E PAZ”. Compêndio da doutrina social da Igreja, nº 119. Trad. CNBB. São Paulo: Paulinas, 2005, p.77)

Não bastasse a manutenção de um perfil de desigualdade pelo atual Governo, que se pretende continuar no “pós-Lula”, o programa de redistribuição de renda, embora justo e digno de aplauso e apoio, tem se desvirtuado perigosamente em moeda eleitoral, em modalidade moderna de “voto de cabresto”, sendo o principal responsável pela dianteira da candidatura governista (a pesquisa Datafolha de final de fevereiro mostra que, entre os beneficiários do programa, a candidata governista alcança 40% das intenções de voto, contra apenas 25% do principal candidato da oposição), já que não há qualquer interesse em se fiscalizar se os beneficiários já têm perfil que os permita sair da dependência do benefício, ante o adiamento oportunista para só depois da eleição do cancelamento dos que não se recadastraram em 2009, o que atingiria, segundo dados, cerca de 975 mil pessoas.

Tal estado de coisas é de se lamentar, pois representa a negação de princípio bíblico de que a economia deve ser baseada no trabalho, pois só assim se terá a dignidade da pessoa humana, princípio, aliás, que está inserido na Constituição da República (artigo 170, “caput”).

Urge, pois, prosseguir com o programa de redistribuição de renda, mas, também, criar mecanismos para que esta redistribuição permita ao beneficiário de hoje tornar-se alguém que não mais dependa do benefício amanhã, não se cedendo à tentação da transformação destes programas em “reserva eleitoral”, em “currais eleitorais”, máxime quando a votação do PT começa a crescer nos “grotões” do país.

Com efeito, como nos dá conta o jornalista político Políbio Braga, “…O PT que nasceu urbano virou um partido dos grotões. Foram os votos obtidos nos pequenos municípios com no máximo 10 mil eleitores que permitiram ao PT crescer 33% neste ano[2008, observação nossa], em números de prefeituras conquistadas, em comparação com a eleição de 2004. Os dados atualizados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que nessas cidades pequenas, o PT elegeu 277 prefeitos. Nas eleições de 2004, o partido elegeu 219 prefeitos nessas cidades e em 2000, foram apenas 77. Nas cidades com até 20 mil eleitores, o PT também cresceu - foram 45 prefeituras a mais do que nas eleições passadas, um aumento de 59%.’A boa imagem do presidente está muito ligada a esse perfil de eleitor. O discurso do presidente é adequado justamente para esse perfil’, explicou o cientista político Leonardo Barreto, da Universidade de Brasília (UnB). Além disso, diz o pesquisador, os principais programas do governo, como Bolsa Família e Luz para Todos, estão voltados principalmente para essas pequenas cidades, que carecem de infra-estrutura e dependem fortemente de recursos federais, o que acaba ajudando na eleição de candidatos aliados a Lula.
Essa tática do PT confirmada no domingo inverte a orientação do partido quando foi fundado, em 1980.…” (O PT virou o partido dos grotões. Tribuna da Imprensa, 08 out. 2008. Disponível em: http://polibiobraga.blogspot.com/2008/10/o-pt-virou-o-partido-dos-grotes.html Acesso em 08 mar. 2010).

Não se vê, pois, num projeto de poder, interesse por parte do Partido dos Trabalhadores de abrir mão destes “currais eleitorais”, que o torna o verdadeiro “coronel do século XXI”.

A propósito, é André Singer (Raízes sociais e ideológicas do lulismo, Novos Estudos, n.95, nov. 2009, pp. 82-103. Disponível em: http://novosestudos.uol.com.br/acervo/acervo_artigo.asp?idMateria=1356 Acesso em 28 jan. 2010) que foi assessor de imprensa do Presidente Lula no primeiro mandato, quem mostra que já em 2006 o PT conquistara esta faixa do eleitorado, que compõe o que se denomina de “subproletariado”, entendidos como os que têm uma renda mensal básica de até um salário mínimo mensal, que são “conservadores”, ou seja, sempre apoiam aqueles que demonstram que haverá reais perspectivas de melhora de vida sem rupturas, sem alteração da ordem, levando a população, que se beneficia com as “migalhas” dos gastos governamentais, a votar num discurso de continuidade e de garantia de sobrevivência.

Tal estudo somente reforça o que disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso recentemente: “…A tendência que vem marcando os últimos 18 meses do atual governo nos levará, pouco a pouco, para um modelo de sociedade que se baseia na predominância de uma forma de capitalismo na qual governo e algumas grandes corporações, especialmente públicas, unem-se sob a tutela de uma burocracia permeada por interesses corporativos e partidários. Especialmente de um partido cujo programa recente se descola da tradição democrática brasileira, para dizer o mínimo. Cada vez mais nos aproximamos de uma forma de organização política inspirada em um capitalismo com forte influência burocrática e predomínio de um partido.(…) o resultado será o mesmo: pouco a pouco, o “pensamento único”, agora sim, esmagará os anseios dos que sustentam uma visão aberta da sociedade e se opõem ao capitalismo de Estado controlado por forças partidárias quase únicas infiltradas na burocracia do Estado.…” (Hora de união. Disponível em: http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?edition=14422&local=1§ion=1012&source=a2861196.xml&template=3898.dwt&uf=1 Acesso em 10 abr. 2010).

Vemos assim que tanto o ex-assessor de imprensa do presidente Lula quanto seu antecessor concordam neste ponto, o que, uma vez mais, descarta a ideia de que estamos a nos basear em pensamentos preconceituosos ou antecipadamente contrários ao atual governo e seu partido.

Com relação a este tema, a resolução do PT anuncia que o novo governo se compromete com “…aprimoramento permanente dos programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, para erradicar a fome e a pobreza, facilitar o acesso de homens e mulheres ao emprego, formação, saúde e melhor renda; transição do Bolsa família para a Renda Básica de Cidadania – RBC, incondicional, como um direito de todos participarem da riqueza da nação, conforme prevista na Lei 10.853/2004, de iniciativa do PT, aprovada por todos os partidos no Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 8 de janeiro de 2004…” (item 19 “f” e “g” da resolução).

Nota-se, pois, uma preocupação em se melhorar o programa e em se tornar o Bolsa Família em Renda Básica da Cidadania, o que, confessadamente, não se fez há seis anos. Há, pois, uma nítida acomodação na proposta, a nos revelar que, neste ponto, o futuro governo pretende ser uma “continuidade” do atual, cuja insuficiência é manifesta, até porque o “assistencialismo” rende votos e está plenamente de acordo com o projeto de poder do partido.

Tanto assim é que, quando está a prometer “crescimento de renda dos trabalhadores”, o programa é assaz abstrato, “in verbis”: “crescimento da renda dos trabalhadores, não só pelos aumentos salariais, mas por eficientes políticas públicas de educação, saúde, transporte, habitação e saneamento;” (item 19 “e”), a demonstrar um verdadeiro interesse em manutenção da atual política de distribuição de renda de forma dependente e submissa aos “coronéis do século XXI”. Como disse o jornal gaúcho Zero Hora em editorial de 26 de junho de 2008, quando foi sepultada Ruth Cardoso, que, como admite o próprio ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome do governo Lula, Patrus Ananias, foi quem “…pôs na agenda do governo o combate à pobreza e lançou as sementes dos programas sociais do governo Lula…” (WEBER, Demétrio e BARBOSA, Adauri Antunes. Ruth Cardoso: ela mudou o social. O Globo, 20 dez. 2008. Disponível em: http://portaldovoluntario.org.br/blogs/54354/posts/1953 Acesso em 08 mar. 2010): “…uma política de assistência social só será transformadora se estabelecer como condição e tiver como objetivo dar ao assistido instrumentos para seu avanço social e sua libertação como pessoa” (ZERO HORA. Necessidade e assistencialismo. Disponível em: http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a2000483.xml&template=3898.dwt&edition=10144§ion=66 Acesso em 08 mar. 2010).

A proposta do Evangelho é, aliás, a de fazer o homem depender única e exclusivamente de Deus. O apóstolo Paulo ensina-nos que “…o que é chamado pelo Senhor, sendo servo é liberto do Senhor e, da mesma maneira, também o que é chamado sendo livre, servo é de Cristo. Fostes comprados por bom preço: não vos façais servos dos homens.” (I Co.7:22,23).

Por isso, razão tem o blogueiro cristão Júlio Severo quando diz que “…Ao cidadão cristão, resta, como fez seu Mestre Jesus, rejeitar a tentação moderna de Satanás através de ofertas de bolsas-famílias e bolsas-concessões e dizer: ‘Não, aquele político ou este governo não é meu salvador para suprir minhas necessidades básicas. Jesus é meu Deus e só votarei num político que respeite as atribuições que Deus deu ao Estado’ (Você decide: quem será o salvador do Brasil? Disponível em: http://juliosevero.blogspot.com/ Acesso em 08 mar. 2010).

O Evangelho exige que qualquer governo priorize a diminuição das desigualdades sociais bem como permita a todo homem condições para que possa sobreviver, com dignidade, através do fruto do seu trabalho. Entretanto, projetos de poder que tenham como objetivo a criação de uma dependência de sobrevivência a uma submissão a um governo, cada vez mais poderoso em virtude de um processo de concentração de renda cada vez mais intenso, não têm apoio algum por parte dos que seguem a Cristo Jesus.

O profeta Amós denunciava aqueles que “…vendiam o justo por dinheiro e o necessitado, por um par de sapatos” (Am.2:6). Deus continua o mesmo, Aquele que não admite que o ser humano se transforme em “moeda eleitoral”, em “mercadoria” para a manutenção do poder.

O programa apresentado pelo Partido dos Trabalhadores mantém este “statu quo” e, por isso, não pode ter o apoio daqueles que seguem a Cristo Jesus, os quais desejam uma política de distribuição de renda que diminua realmente a desigualdade social e que traga reais condições de libertação dos pobres.

Lembramos, a propósito, a parte final do sexto mandamento do Decálogo do Voto Ético, formulado pela Associação Evangélica Brasileira (AEvB), entidade que não pode ser considerada “antipetista”, como poderiam dizer do blogueiro Júlio Severo há pouco mencionado. Diz referido mandamento: “…Um político de fé evangélica tem que ser, sobretudo, um evangélico na política e não apenas um ‘despachante’ de igrejas. Ao defender os direitos universais do homem, a democracia, o estado leigo, entre outras conquistas, o cristão estará defendendo a Igreja” (Disponível em: http://www.montesiao.pro.br/estudos/politica/decalogo_voto.html Acesso em 08 mar. 2010).

Ora, se um político de fé tem de defender os direitos universais do homem, como aceitarmos a defesa do “voto de cabresto”, a dependência de homens a outros para sobreviver, em troca de um prato de comida, ainda que na forma de um cartão magnético de saque mensal?

Como admitir que a política se faça na base do “despachante de bolsas-família”? Evidentemente que não é esta a linha que pode ser adotada por quem cristão se diz ser. Por isso, não há como deixar de reconhecer que não há como um verdadeiro cristão apoiar referido programa de governo e a candidatura nele baseada.

* Grupo Interdisciplinar Bíblico de Estudos e Análises - Análises – grupo informal de estudos bíblicos nascido na década de 1990 no corpo docente da Faculdade Evangélica de São Paulo (FAESP) e que hoje tem vida autônoma e esporádica produção.
A GRANDE TRANSFORMAÇÃO É O EVANGELHO (I)
GIBEÁ*


Sob o título “A grande transformação”, o Partido dos Trabalhadores (PT), ao final do seu IV Congresso, apresentou à sociedade brasileira as diretrizes do programa de governo que pretende apresentar nas eleições gerais deste ano, programa este que norteará a candidatura de Dilma Roussef à Presidência da República, com a qual o PT pretende ficar pelo menos mais quatro anos à frente dos destinos do Brasil.

Esta resolução do PT não pode ser considerada o programa de governo definitivo da candidata, visto que sua candidatura será apoiada por um número razoável de partidos políticos, em especial o PMDB, que já adiantou que exigirá participar da elaboração do programa de governo. No entanto, como o PT é a força majoritária desta coalizão e o que tem a esmagadora maioria dos cargos em comissão da Administração Pública Federal, não se pode deixar de observar que é nesta resolução que teremos os parâmetros que querem induzir o Brasil nos próximos quatro ou oito anos, até porque o mesmo PMDB não passa, hoje, de uma federação fragmentada de grupos políticos regionais.

Enquanto portadores de dupla cidadania, dos céus e da Terra, os servos de Cristo Jesus precisam, em instantes cruciais como o que vivemos, ter uma postura política consciente e fazer com que seu direito e dever de votar seja utilizado com a finalidade de cumprir a missão que é imposta a todo salvo em Jesus: o de ser luz do mundo e sal da terra, o de pregar o Evangelho a toda criatura.

A pregação do Evangelho não se faz apenas em sermões, mas, sobretudo, em nossa maneira de viver, que não pode ser vã, ou seja, vazia de sentido, mas que reflita não só que temos como alvo as moradas celestiais, mas, também, a realização do reino de Deus, que já está entre nós, na sociedade em que vivemos.

Somente demonstraremos que Jesus nos salvos e nos libertou do pecado se, de forma efetiva e concreta, contribuirmos para que este mundo seja mudado pelo Evangelho, o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, se agirmos de modo a que o mundo veja e entenda que há salvação na pessoa de Cristo, que é possível construir-se uma civilização com base no amor a Deus e no amor ao próximo.

Para tanto, devemos, como cidadãos, examinar os programas de governo, as propostas trazidas à sociedade e, dentro de uma perspectiva evangélica, observar o que é conforme com a Palavra de Deus e o que não o é, pois, na luta pela construção de uma sociedade fraterna e solidária, sob a égide do amor, não podemos nos iludir: quem não é com Cristo, é contra Ele e quem com Ele não ajunta, espalha (Mt.12:30; Lc.11:23).

Neste passo, aliás, de lembrarmos o teor do início do oitavo mandamento do Decálogo do Voto Ético da Associação Evangélica Brasileira, que fazemos questão de reproduzir:

“…VIII. Os votos para Presidente da República e para cargos majoritários devem, sobretudo, basear-se em programas de governo, e no conjunto das forças partidárias por detrás de tais candidaturas que, no Brasil, são, em extremo, determinantes; não em função de "boatos" do tipo: ‘O candidato tal é ateu’; ou: ‘O fulano vai fechar as igrejas’; ou: ‘O sicrano não vai dar nada para os evangélicos’; ou ainda: ‘O beltrano é bom porque dará muito para os evangélicos’. É bom saber que a Constituição do país não dá a quem quer que seja o poder de limitar a liberdade religiosa de qualquer grupo. Além disso, é válido observar que aqueles que espalham tais boatos, quase sempre, têm a intenção de induzir os votos dos eleitores assustados e impressionados, na direção de um candidato com o qual estejam comprometidos.…” (Disponível em: http://www.montesiao.pro.br/estudos/politica/decalogo_voto.html Acesso em 03 mar. 2010.

Ao apresentar suas diretrizes à sociedade brasileira, o PT cumpre o seu papel como partido político e nós, servos de Cristo Jesus no Brasil, também temos de cumprir o nosso papel, avaliando a proposta e verificando se ela condiz, ou não, com o Evangelho, a fim de que não venhamos a acreditar em “boatos”, como bem lembra o mencionado Decálogo.

Iremos, pois, analisar os principais tópicos da referida resolução.

A resolução começa com um louvor ao governo Lula, diante do bom momento econômico vivido pelo Brasil, apesar da crise econômico-financeira de 2008, adotando o espírito do “nunca antes neste país”, bordão com que o Presidente da República costuma utilizar como que a dizer que seu governo representa uma ruptura, um reinício da história do Brasil, o que, à evidência, não corresponde à realidade.

A resolução diz que “há sete anos o Brasil passa por uma grande transformação econômica, social e política”, porque “a economia brasileira voltou a crescer” e “numa lógica distinta daquela do passado”. “Ele [o crescimento da economia brasileira] se faz com forte distribuição de renda, com inédito equilíbrio macroeconômico, com redução da vulnerabilidade externa e, sobretudo, com fortalecimento da democracia.…”

Não resta dúvida de que o governo Lula realmente intensificou a distribuição de renda, que já se iniciara, como demonstram os indicadores sócio-econômicos, no governo anterior de Fernando Henrique Cardoso. O Brasil, embora ainda seja um país de grande concentração de renda e de uma desigualdade social ainda vergonhosa, tem diminuído esta diferença, ainda que não se tenham criado condições para que tal mudança seja consistente.

Entre 2003 e 2008, segundo o IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicada) do Ministério do Planejamento, “…a população indigente caiu quase pela metade, saindo de 6,04 milhões para 3,12 milhões nos cinco anos. Os pobres são 11,35 milhões, ante os 15,44 milhões do começo do período, e os ricos passaram de 362,26 mil para 476,59 mil…” (Cai número de pobres e indigentes no Brasil, mostra IPEA. Disponível em: http://oglobo.globo.com/economia/mat/2008/08/05/cai_numero_de_pobres_indigentes_no_brasil_mostra_ipea-547583464.asp Acesso em 04 mar. 2010).

A existência de programas de redistribuição de renda é, sem dúvida, algo que deve ser apoiado pelos seguidores do Evangelho de Jesus Cristo, visto que as Escrituras Sagradas mostram, claramente, que é da vontade de Deus que não haja gritantes diferenças entre as pessoas numa sociedade, como se verifica de instituições criadas por Deus para Israel como o ano do jubileu (Lv.25) e a lei da respiga (Lv.19:9,10), até porque sempre existirá a pobreza (Jo.12:8)..

No entanto, programas de redistribuição de renda têm de ser acompanhados de mecanismos que criem condições para que a ajuda emergencial seja temporária e se permita aos necessitados condições para que tenham como adquirir seu sustento por meio do trabalho, que é a forma estabelecida por Deus para a sobrevivência do homem sobre a face da Terra (Gn.2:15; 3:17-19).

O trabalho é essencial ao homem, porque, por meio dele, o homem se assemelha ao seu Criador (Jo.5:17). Jesus, mesmo, deu o exemplo sendo um carpinteiro enquanto não se dedicou ao Seu ministério salvífico (Mt.13:55; Mc.6:3).

Os instrumentos existentes em Israel promoveriam, se fossem respeitados pelos israelitas, uma distribuição de renda mais justa e não permitiriam a opressão dos pobres, que ficavam à mercê dos ricos, precisamente o que foi denunciado pelos profetas no período final da história dos reinos independentes seja de Israel, seja de Judá, como vemos, por exemplo, em Amós (Am.2:6,7; 4:1; 5:11,12) e em Miqueias (Mq.2:1,2; 3:1-3).

Destarte, se é necessária uma política de redistribuição de renda, que faça com que se diminua a distância abissal entre os mais ricos e os mais pobres em nosso país, isto deve ser feito de forma permanente.

O que se tem verificado é que os programas de redistribuição de renda têm sido desacompanhados de outros mecanismos que permitam aos seus beneficiários terem independência do governo, tanto que, apesar da diminuição da desigualdade, o número de beneficiários do Bolsa-Família aumentou ainda mais, sendo certo que, neste ano de 2010, foi adiado para o dia 1º de novembro (não coincidentemente um dia depois da data prevista para um eventual 2º turno das eleições presidenciais), a aplicação dos critérios para exclusão de quem não mais necessita do benefício, que hoje atinge 12,9 milhões de pessoas, depois que o próprio governo ampliou o universo de beneficiários em 2009.

Como se isto fosse pouco, notamos que, embora no Orçamento de 2010 esteja previsto gasto de R$ 13,1 bilhões com o Bolsa-Família e de R$ 7,26 bilhões com o programa Minha Casa, Minha Vida , com juros da dívida interna, o Governo gastará R$ 172 bilhões, ou seja, 8,44 vezes mais.

Sem levar em conta as medidas que favoreceram o capital em meio à crise econômico-financeira, que representaram uma renúncia de R$ 12,4 bilhões em tributos, antes das prorrogações, tendo, ao todo, mobilizado cerca de R$ 483 bilhões para os mais diversos setores da economia, valor que representa 23,72 vezes mais que o que se gasta com os dois principais programas.

É evidente que a ajuda do governo em meio à crise tem um alcance social inegável, pois impediu o aumento do desemprego e a estagnação econômica do país, mas a diferença de valores mostra como ainda estamos longe de uma redução da desigualdade social, de um tratamento mais equilibrado e igualitário, apesar do discurso petista, mais ainda quando se verifica o “inchaço” da Administração com o preenchimento dos cargos em comissão pela militância petista, que gastou R$ 1,2 bilhão em 2009, quando, em 2002, o gasto era de R$ 555 milhões. Isto significa que o gasto com os “companheiros” chega a quase 10% do gasto com o Bolsa Família, sendo que são 22.897 ocupantes de cargos e 12,9 milhões de pessoas os beneficiários do Bolsa Família, numa evidente desigualdade.

Mas não é só!

Como afirma o jornalista Vinicius Torres Freire, editor de Economia da Folha de São Paulo, o governo Lula é um dos grandes responsáveis pela criação de “conglomerados econômicos” em nosso país (FHC privatiza, Lula conglomera. Folha de São Paulo, 02 fev. 2010. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi0202201015.htm Acesso em 02 fev. 2010), o que contribui enormemente para a concentração de renda e para um quadro que facilita a perpetuação da desigualdade. Interessante notar que boa parte destes “impérios empresariais” surgidos nestes oito anos de governo Lula têm sua base em “empreiteiras” (Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez), cujas ligações com os políticos e as malfeitorias por eles praticadas é dispensável mencionar e as operações da Polícia Federal estão aí para mostrar (para não dizer que se trata de “intriga da oposição” ou de “conversa fiada” do que os petistas costumam denominar de “opinião publicada”).

Aliás, no biênio 2009/2010, segundo Vinicius Torres Freire, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) terá R$ 180 bilhões do Tesouro Nacional (ou seja, 8,84 vezes mais do que o reservado para os dois principais programas sociais do governo), para atuar na economia, principalmente para ajudar este processo de concentração, que também foi vista no setor de carnes (JBS), no setor de alimentos (Perdigão-Sadia), da telefonia (Oi), celulose (Aracruz-Votorantim) e até no comércio varejista (Pão de Açúcar-Casas Bahia).

Não bastasse isso, temos os “fundos de pensão”, os grandes “investidores privados” do país, quase todos eles controlados por “companheiros” advindos das burocracias sindicais e que fizeram carreiras nas empresas estatais e sociedades de economia mista que criaram estes fundos (Previ, do Banco do Brasil; Petros, da Petrobrás; Funcef, da Caixa Econômica Federal, entre outros), os quais, também, contribuem enormemente para que se façam os “negócios” que levam à concentração de renda, gerando, assim, o que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso denominou de “…a aliança entre o Estado, os sindicatos, os fundos de pensão e os felizardos de grandes empresas que a eles se associam.” (Para onde vamos. Estado de São Paulo. 01 nov. 2009. Disponível em: http://blog-abulafia.blogspot.com/2009/11/para-onde-vamos-por-fernando-
henrique.html Acesso em 02 nov 2010).

Com a palavra a Folha de São Paulo, em editorial de 8 de março de 2010: “O PATRIMÔNIO dos fundos de pensão fechados no Brasil cresceu rapidamente nos últimos anos e atingiu quase R$ 500 bilhões em fins de 2009. Há, além disso, uma forte concentração dos recursos em fundos patrocinados por empresas estatais -os três maiores do país (Previ, Funcef e Petros) detinham em novembro de 2009 um patrimônio de R$ 219 bilhões, equivalente a 45% do total do setor. É por meio deles -e do BNDES- que o governo vem aumentando sua influência nos principais setores da economia.(…). Os fundos de pensão patrocinados por empresas públicas estão sendo metamorfoseados em instrumentos de poder político, a serviço do governo de plantão e da burocracia sindical que hoje domina as representações de empregados e empregadores.(…). O problema é o enfraquecimento dos freios e contrapesos institucionais que estão na base de uma fiscalização eficaz. Com isso, abre-se caminho para a fusão de interesses entre governo, sindicatos, fundos de pensão e empresários favoritos, que, se perenizada, pode vir a representar até uma ameaça ao bom funcionamento da democracia.…” (FOLHA DE SÃO PAULO. Estado empresarial. 8 mar. 2010. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0803201001.htm Acesso em 08 mar. 2010).

A propósito, a ajuda do BNDES não se limita a atividades destes “conglomerados” no país. Segundo notícia publicada na Folha de São Paulo: “…Em 2009, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) bateu o recorde em sua linha de financiamentos às exportações de serviços e bens brasileiros para a América Latina e o Caribe: desembolsou US$ 726 milhões a países da região, sobretudo para a contratação de obras de infraestrutura, realizadas por empreiteiras brasileiras. Na média anual do primeiro mandato de Lula (2003 a 2006), os desembolsos ficaram em US$ 352,1 milhões -cifra 26% superior à média do segundo governo FHC. Essa média subiu 77% no segundo mandato de Lula, para US$ 622 milhões, segundo dados compilados a pedido da Folha. Lançada em 1997, a linha especial de crédito já movimentou US$ 4,9 bilhões na América Latina.(…). Entre as construtoras, a Odebrecht, há 30 anos no mercado externo, foi a maior beneficiada. Dos cerca de US$ 600 milhões que a empresa recebeu em 2009 dessa linha do BNDES, 80%, ou US$ 480 milhões, foram referentes a contratos na Argentina e na República Dominicana -o restante corresponde a Angola.…” (ANTUNES, Cláudia e SOARES, Pedro. BNDES bate recordes de desembolsos à AL. Folha de São Paulo, 08 mar. 2010. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi0803201007.htm Acesso em 08 mar. 2010).

Não é de impressionar que os megaempresários do país sejam grandes entusiastas da continuidade do governo Lula, como nos mostrou, recentemente, Abílio Diniz, na posse do novo presidente do Grupo Pão de Açúcar. Como diz o sociólogo Francisco de Oliveira, em reportagem da Folha de São Paulo, “…o segundo[ o presidente Lula, observação nossa], ao favorecer a fusão de empresas, promove uma ‘centralização de capitais de uma forma que o Brasil jamais viu’ (ANTUNES, Cláudia. Capitalismo de FHC é de museu, diz sociólogo. Folha de São Paulo. 11 mar. 2010. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1103201006.htm Acesso em 11 mar. 2010).

Ora, como falarmos em uma real e consistente redistribuição de renda, de maior igualdade entre os cidadãos, se vemos as “vacas de Basã” (Am.4:1), cada vez mais fortes e mais livres para “oprimir os pobres”, “quebrantar os necessitados” e dizer aos seus senhores (o governo): “Dá cá e bebamos”?

Ah, poderá alguém dizer, como querermos fazer uma crítica fundamentada ao governo Lula tomando um editor da “Folha de São Paulo” ou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso como parâmetros, conhecidos “inimigos” do PT?

Com a palavra o presidente do IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), órgão do Ministério do Planejamento, Márcio Poichmann, “petista de carteirinha” e que, inclusive, foi secretário da ex-prefeita de São Paulo, Marta Suplicy: “…O avanço das políticas públicas de caráter distributivo permitiu, em consequência, reduzir e até superar a pobreza extrema, quando não a absoluta, mesmo sem contemplar medidas contra a concentração da renda e riqueza.(…). Se os pobres pagam mais tributos proporcionalmente à renda que os ricos, as políticas distributivas podem reduzir a pobreza sem, contudo, diminuir decisivamente a concentração da renda e da riqueza. Por conta disso, a antiga medida de pobreza assentada no conceito de insuficiência de renda para atender determinado padrão de consumo mínimo ou básico passou a ser substituída pela medida de pobreza relativa. Ou seja, a pobreza que considera as condições de vida alcançada pelos ricos (concentração da renda), não somente o limite mínimo da sobrevivência ou da reprodução humana.(…) Foi nesse contexto que as políticas públicas distributivas (saúde, educação, transferência direta de renda) foram combinadas com as políticas redistributivas, o que tornou o sistema tributário comprometido com a justiça social. A progressão tributária sobre a distribuição da renda, acompanhada por políticas distributivas, possibilitou combater efetivamente as diferentes formas de pobreza. Essa é a fase em que o Brasil se encontra atualmente, e precisa urgentemente avançar.…” (Pobrezas. Folha de São Paulo, 05 fev. 2010. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0502201008.htm Acesso em 05 fev. 2010).

Pelo que se verifica, pois, também este integrante do governo Lula admite que a concentração de renda não diminuiu apesar da política empreendida e que é preciso avançar.

O que propõe a respeito o programa apresentado pelo PT à sociedade brasileira?

Vejamos o programa:

“…20. As possibilidades abertas para a sociedade com os grandes avanços científicos e tecnológicos, combinadas com a necessidade de expansão do mercado interno e a dura competitividade global, que a crise acentuou, exigem uma profunda transformação do sistema produtivo. Essa mudança já foi iniciada em muitos setores. Deve prosseguir a abordagem sistêmica, indutora e focada nas demandas das cadeias produtivas nacionais e do consumo. É necessário ampliar a articulação entre os diversos planos de desenvolvimento, como os PAC 1 e 2, com outros planos setoriais e das empresas estatais.

21. Para tanto, será necessário:

a) aprofundamento das políticas creditícias para o setor produtivo por parte do BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, BNB e BASA. Os bancos devem orientar-se para a produção e o consumo, a custos cada vez menores, de modo a promover o emprego e a renda em um quadro de estabilidade monetária;

b) apoio à internacionalização das empresas brasileiras, garantido o interesse nacional e respeitada a soberania e as leis das nações;

O programa, pelo que se verifica, defende a continuidade do processo, sem qualquer avanço para o fim do que Poichmann chama de “pobreza relativa”. É a perpetuação da “aliança” mencionada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. É a política da alimentação crescente das vacas de Basã, o que não pode ser aceito por quem segue a Palavra de Deus.

A propósito, vemos aqui a concretização daqueles dois obstáculos que o Papa João Paulo II identificava como fatores alimentadores das estruturas sociais de pecado, “in verbis”: “ …As ações e as atitudes opostas à vontade de Deus e ao bem do próximo, e as estruturas a que elas induzem parecem ser hoje sobretudo duas: ‘Por um lado, há a avidez exclusiva do lucro; e, por outro lado, a sede do poder, com o objetivo de impor aos outros a própria vontade. A cada um destes comportamentos, pode juntar-se, para os caracterizar melhor, a expressão ‘a qualquer preço’ (Encíclica Solicitudo rei socialis, nº 37). “ (PONTÍFÍCIO CONSELHO “JUSTIÇA E PAZ”. Compêndio da doutrina social da Igreja, nº 119. Trad. CNBB. São Paulo: Paulinas, 2005, p.77)

Não bastasse a manutenção de um perfil de desigualdade pelo atual Governo, que se pretende continuar no “pós-Lula”, o programa de redistribuição de renda, embora justo e digno de aplauso e apoio, tem se desvirtuado perigosamente em moeda eleitoral, em modalidade moderna de “voto de cabresto”, sendo o principal responsável pela dianteira da candidatura governista (a pesquisa Datafolha de final de fevereiro mostra que, entre os beneficiários do programa, a candidata governista alcança 40% das intenções de voto, contra apenas 25% do principal candidato da oposição), já que não há qualquer interesse em se fiscalizar se os beneficiários já têm perfil que os permita sair da dependência do benefício, ante o adiamento oportunista para só depois da eleição do cancelamento dos que não se recadastraram em 2009, o que atingiria, segundo dados, cerca de 975 mil pessoas.

Tal estado de coisas é de se lamentar, pois representa a negação de princípio bíblico de que a economia deve ser baseada no trabalho, pois só assim se terá a dignidade da pessoa humana, princípio, aliás, que está inserido na Constituição da República (artigo 170, “caput”).

Urge, pois, prosseguir com o programa de redistribuição de renda, mas, também, criar mecanismos para que esta redistribuição permita ao beneficiário de hoje tornar-se alguém que não mais dependa do benefício amanhã, não se cedendo à tentação da transformação destes programas em “reserva eleitoral”, em “currais eleitorais”, máxime quando a votação do PT começa a crescer nos “grotões” do país.

Com efeito, como nos dá conta o jornalista político Políbio Braga, “…O PT que nasceu urbano virou um partido dos grotões. Foram os votos obtidos nos pequenos municípios com no máximo 10 mil eleitores que permitiram ao PT crescer 33% neste ano[2008, observação nossa], em números de prefeituras conquistadas, em comparação com a eleição de 2004. Os dados atualizados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que nessas cidades pequenas, o PT elegeu 277 prefeitos. Nas eleições de 2004, o partido elegeu 219 prefeitos nessas cidades e em 2000, foram apenas 77. Nas cidades com até 20 mil eleitores, o PT também cresceu - foram 45 prefeituras a mais do que nas eleições passadas, um aumento de 59%.’A boa imagem do presidente está muito ligada a esse perfil de eleitor. O discurso do presidente é adequado justamente para esse perfil’, explicou o cientista político Leonardo Barreto, da Universidade de Brasília (UnB). Além disso, diz o pesquisador, os principais programas do governo, como Bolsa Família e Luz para Todos, estão voltados principalmente para essas pequenas cidades, que carecem de infra-estrutura e dependem fortemente de recursos federais, o que acaba ajudando na eleição de candidatos aliados a Lula.
Essa tática do PT confirmada no domingo inverte a orientação do partido quando foi fundado, em 1980.…” (O PT virou o partido dos grotões. Tribuna da Imprensa, 08 out. 2008. Disponível em: http://polibiobraga.blogspot.com/2008/10/o-pt-virou-o-partido-dos-grotes.html Acesso em 08 mar. 2010).

Não se vê, pois, num projeto de poder, interesse por parte do Partido dos Trabalhadores de abrir mão destes “currais eleitorais”, que o torna o verdadeiro “coronel do século XXI”.

A propósito, é André Singer (Raízes sociais e ideológicas do lulismo, Novos Estudos, n.95, nov. 2009, pp. 82-103. Disponível em: http://novosestudos.uol.com.br/acervo/acervo_artigo.asp?idMateria=1356 Acesso em 28 jan. 2010) que foi assessor de imprensa do Presidente Lula no primeiro mandato, quem mostra que já em 2006 o PT conquistara esta faixa do eleitorado, que compõe o que se denomina de “subproletariado”, entendidos como os que têm uma renda mensal básica de até um salário mínimo mensal, que são “conservadores”, ou seja, sempre apoiam aqueles que demonstram que haverá reais perspectivas de melhora de vida sem rupturas, sem alteração da ordem, levando a população, que se beneficia com as “migalhas” dos gastos governamentais, a votar num discurso de continuidade e de garantia de sobrevivência.

Tal estudo somente reforça o que disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso recentemente: “…A tendência que vem marcando os últimos 18 meses do atual governo nos levará, pouco a pouco, para um modelo de sociedade que se baseia na predominância de uma forma de capitalismo na qual governo e algumas grandes corporações, especialmente públicas, unem-se sob a tutela de uma burocracia permeada por interesses corporativos e partidários. Especialmente de um partido cujo programa recente se descola da tradição democrática brasileira, para dizer o mínimo. Cada vez mais nos aproximamos de uma forma de organização política inspirada em um capitalismo com forte influência burocrática e predomínio de um partido.(…) o resultado será o mesmo: pouco a pouco, o “pensamento único”, agora sim, esmagará os anseios dos que sustentam uma visão aberta da sociedade e se opõem ao capitalismo de Estado controlado por forças partidárias quase únicas infiltradas na burocracia do Estado.…” (Hora de união. Disponível em: http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?edition=14422&local=1§ion=1012&source=a2861196.xml&template=3898.dwt&uf=1 Acesso em 10 abr. 2010).

Vemos assim que tanto o ex-assessor de imprensa do presidente Lula quanto seu antecessor concordam neste ponto, o que, uma vez mais, descarta a ideia de que estamos a nos basear em pensamentos preconceituosos ou antecipadamente contrários ao atual governo e seu partido.

Com relação a este tema, a resolução do PT anuncia que o novo governo se compromete com “…aprimoramento permanente dos programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, para erradicar a fome e a pobreza, facilitar o acesso de homens e mulheres ao emprego, formação, saúde e melhor renda; transição do Bolsa família para a Renda Básica de Cidadania – RBC, incondicional, como um direito de todos participarem da riqueza da nação, conforme prevista na Lei 10.853/2004, de iniciativa do PT, aprovada por todos os partidos no Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 8 de janeiro de 2004…” (item 19 “f” e “g” da resolução).

Nota-se, pois, uma preocupação em se melhorar o programa e em se tornar o Bolsa Família em Renda Básica da Cidadania, o que, confessadamente, não se fez há seis anos. Há, pois, uma nítida acomodação na proposta, a nos revelar que, neste ponto, o futuro governo pretende ser uma “continuidade” do atual, cuja insuficiência é manifesta, até porque o “assistencialismo” rende votos e está plenamente de acordo com o projeto de poder do partido.

Tanto assim é que, quando está a prometer “crescimento de renda dos trabalhadores”, o programa é assaz abstrato, “in verbis”: “crescimento da renda dos trabalhadores, não só pelos aumentos salariais, mas por eficientes políticas públicas de educação, saúde, transporte, habitação e saneamento;” (item 19 “e”), a demonstrar um verdadeiro interesse em manutenção da atual política de distribuição de renda de forma dependente e submissa aos “coronéis do século XXI”. Como disse o jornal gaúcho Zero Hora em editorial de 26 de junho de 2008, quando foi sepultada Ruth Cardoso, que, como admite o próprio ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome do governo Lula, Patrus Ananias, foi quem “…pôs na agenda do governo o combate à pobreza e lançou as sementes dos programas sociais do governo Lula…” (WEBER, Demétrio e BARBOSA, Adauri Antunes. Ruth Cardoso: ela mudou o social. O Globo, 20 dez. 2008. Disponível em: http://portaldovoluntario.org.br/blogs/54354/posts/1953 Acesso em 08 mar. 2010): “…uma política de assistência social só será transformadora se estabelecer como condição e tiver como objetivo dar ao assistido instrumentos para seu avanço social e sua libertação como pessoa” (ZERO HORA. Necessidade e assistencialismo. Disponível em: http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a2000483.xml&template=3898.dwt&edition=10144§ion=66 Acesso em 08 mar. 2010).

A proposta do Evangelho é, aliás, a de fazer o homem depender única e exclusivamente de Deus. O apóstolo Paulo ensina-nos que “…o que é chamado pelo Senhor, sendo servo é liberto do Senhor e, da mesma maneira, também o que é chamado sendo livre, servo é de Cristo. Fostes comprados por bom preço: não vos façais servos dos homens.” (I Co.7:22,23).

Por isso, razão tem o blogueiro cristão Júlio Severo quando diz que “…Ao cidadão cristão, resta, como fez seu Mestre Jesus, rejeitar a tentação moderna de Satanás através de ofertas de bolsas-famílias e bolsas-concessões e dizer: ‘Não, aquele político ou este governo não é meu salvador para suprir minhas necessidades básicas. Jesus é meu Deus e só votarei num político que respeite as atribuições que Deus deu ao Estado’ (Você decide: quem será o salvador do Brasil? Disponível em: http://juliosevero.blogspot.com/ Acesso em 08 mar. 2010).

O Evangelho exige que qualquer governo priorize a diminuição das desigualdades sociais bem como permita a todo homem condições para que possa sobreviver, com dignidade, através do fruto do seu trabalho. Entretanto, projetos de poder que tenham como objetivo a criação de uma dependência de sobrevivência a uma submissão a um governo, cada vez mais poderoso em virtude de um processo de concentração de renda cada vez mais intenso, não têm apoio algum por parte dos que seguem a Cristo Jesus.

O profeta Amós denunciava aqueles que “…vendiam o justo por dinheiro e o necessitado, por um par de sapatos” (Am.2:6). Deus continua o mesmo, Aquele que não admite que o ser humano se transforme em “moeda eleitoral”, em “mercadoria” para a manutenção do poder.

O programa apresentado pelo Partido dos Trabalhadores mantém este “statu quo” e, por isso, não pode ter o apoio daqueles que seguem a Cristo Jesus, os quais desejam uma política de distribuição de renda que diminua realmente a desigualdade social e que traga reais condições de libertação dos pobres.

Lembramos, a propósito, a parte final do sexto mandamento do Decálogo do Voto Ético, formulado pela Associação Evangélica Brasileira (AEvB), entidade que não pode ser considerada “antipetista”, como poderiam dizer do blogueiro Júlio Severo há pouco mencionado. Diz referido mandamento: “…Um político de fé evangélica tem que ser, sobretudo, um evangélico na política e não apenas um ‘despachante’ de igrejas. Ao defender os direitos universais do homem, a democracia, o estado leigo, entre outras conquistas, o cristão estará defendendo a Igreja” (Disponível em: http://www.montesiao.pro.br/estudos/politica/decalogo_voto.html Acesso em 08 mar. 2010).

Ora, se um político de fé tem de defender os direitos universais do homem, como aceitarmos a defesa do “voto de cabresto”, a dependência de homens a outros para sobreviver, em troca de um prato de comida, ainda que na forma de um cartão magnético de saque mensal?

Como admitir que a política se faça na base do “despachante de bolsas-família”? Evidentemente que não é esta a linha que pode ser adotada por quem cristão se diz ser. Por isso, não há como deixar de reconhecer que não há como um verdadeiro cristão apoiar referido programa de governo e a candidatura nele baseada.

* Grupo Interdisciplinar Bíblico de Estudos e Análises - Análises – grupo informal de estudos bíblicos nascido na década de 1990 no corpo docente da Faculdade Evangélica de São Paulo (FAESP) e que hoje tem vida autônoma e esporádica produção.

A GRANDE TRANSFORMAÇÃO É O EVANGELHO (I)
GIBEÁ*


Sob o título “A grande transformação”, o Partido dos Trabalhadores (PT), ao final do seu IV Congresso, apresentou à sociedade brasileira as diretrizes do programa de governo que pretende apresentar nas eleições gerais deste ano, programa este que norteará a candidatura de Dilma Roussef à Presidência da República, com a qual o PT pretende ficar pelo menos mais quatro anos à frente dos destinos do Brasil.

Esta resolução do PT não pode ser considerada o programa de governo definitivo da candidata, visto que sua candidatura será apoiada por um número razoável de partidos políticos, em especial o PMDB, que já adiantou que exigirá participar da elaboração do programa de governo. No entanto, como o PT é a força majoritária desta coalizão e o que tem a esmagadora maioria dos cargos em comissão da Administração Pública Federal, não se pode deixar de observar que é nesta resolução que teremos os parâmetros que querem induzir o Brasil nos próximos quatro ou oito anos, até porque o mesmo PMDB não passa, hoje, de uma federação fragmentada de grupos políticos regionais.

Enquanto portadores de dupla cidadania, dos céus e da Terra, os servos de Cristo Jesus precisam, em instantes cruciais como o que vivemos, ter uma postura política consciente e fazer com que seu direito e dever de votar seja utilizado com a finalidade de cumprir a missão que é imposta a todo salvo em Jesus: o de ser luz do mundo e sal da terra, o de pregar o Evangelho a toda criatura.

A pregação do Evangelho não se faz apenas em sermões, mas, sobretudo, em nossa maneira de viver, que não pode ser vã, ou seja, vazia de sentido, mas que reflita não só que temos como alvo as moradas celestiais, mas, também, a realização do reino de Deus, que já está entre nós, na sociedade em que vivemos.

Somente demonstraremos que Jesus nos salvos e nos libertou do pecado se, de forma efetiva e concreta, contribuirmos para que este mundo seja mudado pelo Evangelho, o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, se agirmos de modo a que o mundo veja e entenda que há salvação na pessoa de Cristo, que é possível construir-se uma civilização com base no amor a Deus e no amor ao próximo.

Para tanto, devemos, como cidadãos, examinar os programas de governo, as propostas trazidas à sociedade e, dentro de uma perspectiva evangélica, observar o que é conforme com a Palavra de Deus e o que não o é, pois, na luta pela construção de uma sociedade fraterna e solidária, sob a égide do amor, não podemos nos iludir: quem não é com Cristo, é contra Ele e quem com Ele não ajunta, espalha (Mt.12:30; Lc.11:23).

Neste passo, aliás, de lembrarmos o teor do início do oitavo mandamento do Decálogo do Voto Ético da Associação Evangélica Brasileira, que fazemos questão de reproduzir:

“…VIII. Os votos para Presidente da República e para cargos majoritários devem, sobretudo, basear-se em programas de governo, e no conjunto das forças partidárias por detrás de tais candidaturas que, no Brasil, são, em extremo, determinantes; não em função de "boatos" do tipo: ‘O candidato tal é ateu’; ou: ‘O fulano vai fechar as igrejas’; ou: ‘O sicrano não vai dar nada para os evangélicos’; ou ainda: ‘O beltrano é bom porque dará muito para os evangélicos’. É bom saber que a Constituição do país não dá a quem quer que seja o poder de limitar a liberdade religiosa de qualquer grupo. Além disso, é válido observar que aqueles que espalham tais boatos, quase sempre, têm a intenção de induzir os votos dos eleitores assustados e impressionados, na direção de um candidato com o qual estejam comprometidos.…” (Disponível em: http://www.montesiao.pro.br/estudos/politica/decalogo_voto.html Acesso em 03 mar. 2010.

Ao apresentar suas diretrizes à sociedade brasileira, o PT cumpre o seu papel como partido político e nós, servos de Cristo Jesus no Brasil, também temos de cumprir o nosso papel, avaliando a proposta e verificando se ela condiz, ou não, com o Evangelho, a fim de que não venhamos a acreditar em “boatos”, como bem lembra o mencionado Decálogo.

Iremos, pois, analisar os principais tópicos da referida resolução.

A resolução começa com um louvor ao governo Lula, diante do bom momento econômico vivido pelo Brasil, apesar da crise econômico-financeira de 2008, adotando o espírito do “nunca antes neste país”, bordão com que o Presidente da República costuma utilizar como que a dizer que seu governo representa uma ruptura, um reinício da história do Brasil, o que, à evidência, não corresponde à realidade.

A resolução diz que “há sete anos o Brasil passa por uma grande transformação econômica, social e política”, porque “a economia brasileira voltou a crescer” e “numa lógica distinta daquela do passado”. “Ele [o crescimento da economia brasileira] se faz com forte distribuição de renda, com inédito equilíbrio macroeconômico, com redução da vulnerabilidade externa e, sobretudo, com fortalecimento da democracia.…”

Não resta dúvida de que o governo Lula realmente intensificou a distribuição de renda, que já se iniciara, como demonstram os indicadores sócio-econômicos, no governo anterior de Fernando Henrique Cardoso. O Brasil, embora ainda seja um país de grande concentração de renda e de uma desigualdade social ainda vergonhosa, tem diminuído esta diferença, ainda que não se tenham criado condições para que tal mudança seja consistente.

Entre 2003 e 2008, segundo o IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicada) do Ministério do Planejamento, “…a população indigente caiu quase pela metade, saindo de 6,04 milhões para 3,12 milhões nos cinco anos. Os pobres são 11,35 milhões, ante os 15,44 milhões do começo do período, e os ricos passaram de 362,26 mil para 476,59 mil…” (Cai número de pobres e indigentes no Brasil, mostra IPEA. Disponível em: http://oglobo.globo.com/economia/mat/2008/08/05/cai_numero_de_pobres_indigentes_no_brasil_mostra_ipea-547583464.asp Acesso em 04 mar. 2010).

A existência de programas de redistribuição de renda é, sem dúvida, algo que deve ser apoiado pelos seguidores do Evangelho de Jesus Cristo, visto que as Escrituras Sagradas mostram, claramente, que é da vontade de Deus que não haja gritantes diferenças entre as pessoas numa sociedade, como se verifica de instituições criadas por Deus para Israel como o ano do jubileu (Lv.25) e a lei da respiga (Lv.19:9,10), até porque sempre existirá a pobreza (Jo.12:8)..

No entanto, programas de redistribuição de renda têm de ser acompanhados de mecanismos que criem condições para que a ajuda emergencial seja temporária e se permita aos necessitados condições para que tenham como adquirir seu sustento por meio do trabalho, que é a forma estabelecida por Deus para a sobrevivência do homem sobre a face da Terra (Gn.2:15; 3:17-19).

O trabalho é essencial ao homem, porque, por meio dele, o homem se assemelha ao seu Criador (Jo.5:17). Jesus, mesmo, deu o exemplo sendo um carpinteiro enquanto não se dedicou ao Seu ministério salvífico (Mt.13:55; Mc.6:3).

Os instrumentos existentes em Israel promoveriam, se fossem respeitados pelos israelitas, uma distribuição de renda mais justa e não permitiriam a opressão dos pobres, que ficavam à mercê dos ricos, precisamente o que foi denunciado pelos profetas no período final da história dos reinos independentes seja de Israel, seja de Judá, como vemos, por exemplo, em Amós (Am.2:6,7; 4:1; 5:11,12) e em Miqueias (Mq.2:1,2; 3:1-3).

Destarte, se é necessária uma política de redistribuição de renda, que faça com que se diminua a distância abissal entre os mais ricos e os mais pobres em nosso país, isto deve ser feito de forma permanente.

O que se tem verificado é que os programas de redistribuição de renda têm sido desacompanhados de outros mecanismos que permitam aos seus beneficiários terem independência do governo, tanto que, apesar da diminuição da desigualdade, o número de beneficiários do Bolsa-Família aumentou ainda mais, sendo certo que, neste ano de 2010, foi adiado para o dia 1º de novembro (não coincidentemente um dia depois da data prevista para um eventual 2º turno das eleições presidenciais), a aplicação dos critérios para exclusão de quem não mais necessita do benefício, que hoje atinge 12,9 milhões de pessoas, depois que o próprio governo ampliou o universo de beneficiários em 2009.

Como se isto fosse pouco, notamos que, embora no Orçamento de 2010 esteja previsto gasto de R$ 13,1 bilhões com o Bolsa-Família e de R$ 7,26 bilhões com o programa Minha Casa, Minha Vida , com juros da dívida interna, o Governo gastará R$ 172 bilhões, ou seja, 8,44 vezes mais.

Sem levar em conta as medidas que favoreceram o capital em meio à crise econômico-financeira, que representaram uma renúncia de R$ 12,4 bilhões em tributos, antes das prorrogações, tendo, ao todo, mobilizado cerca de R$ 483 bilhões para os mais diversos setores da economia, valor que representa 23,72 vezes mais que o que se gasta com os dois principais programas.

É evidente que a ajuda do governo em meio à crise tem um alcance social inegável, pois impediu o aumento do desemprego e a estagnação econômica do país, mas a diferença de valores mostra como ainda estamos longe de uma redução da desigualdade social, de um tratamento mais equilibrado e igualitário, apesar do discurso petista, mais ainda quando se verifica o “inchaço” da Administração com o preenchimento dos cargos em comissão pela militância petista, que gastou R$ 1,2 bilhão em 2009, quando, em 2002, o gasto era de R$ 555 milhões. Isto significa que o gasto com os “companheiros” chega a quase 10% do gasto com o Bolsa Família, sendo que são 22.897 ocupantes de cargos e 12,9 milhões de pessoas os beneficiários do Bolsa Família, numa evidente desigualdade.

Mas não é só!

Como afirma o jornalista Vinicius Torres Freire, editor de Economia da Folha de São Paulo, o governo Lula é um dos grandes responsáveis pela criação de “conglomerados econômicos” em nosso país (FHC privatiza, Lula conglomera. Folha de São Paulo, 02 fev. 2010. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi0202201015.htm Acesso em 02 fev. 2010), o que contribui enormemente para a concentração de renda e para um quadro que facilita a perpetuação da desigualdade. Interessante notar que boa parte destes “impérios empresariais” surgidos nestes oito anos de governo Lula têm sua base em “empreiteiras” (Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez), cujas ligações com os políticos e as malfeitorias por eles praticadas é dispensável mencionar e as operações da Polícia Federal estão aí para mostrar (para não dizer que se trata de “intriga da oposição” ou de “conversa fiada” do que os petistas costumam denominar de “opinião publicada”).

Aliás, no biênio 2009/2010, segundo Vinicius Torres Freire, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) terá R$ 180 bilhões do Tesouro Nacional (ou seja, 8,84 vezes mais do que o reservado para os dois principais programas sociais do governo), para atuar na economia, principalmente para ajudar este processo de concentração, que também foi vista no setor de carnes (JBS), no setor de alimentos (Perdigão-Sadia), da telefonia (Oi), celulose (Aracruz-Votorantim) e até no comércio varejista (Pão de Açúcar-Casas Bahia).

Não bastasse isso, temos os “fundos de pensão”, os grandes “investidores privados” do país, quase todos eles controlados por “companheiros” advindos das burocracias sindicais e que fizeram carreiras nas empresas estatais e sociedades de economia mista que criaram estes fundos (Previ, do Banco do Brasil; Petros, da Petrobrás; Funcef, da Caixa Econômica Federal, entre outros), os quais, também, contribuem enormemente para que se façam os “negócios” que levam à concentração de renda, gerando, assim, o que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso denominou de “…a aliança entre o Estado, os sindicatos, os fundos de pensão e os felizardos de grandes empresas que a eles se associam.” (Para onde vamos. Estado de São Paulo. 01 nov. 2009. Disponível em: http://blog-abulafia.blogspot.com/2009/11/para-onde-vamos-por-fernando-
henrique.html Acesso em 02 nov 2010).

Com a palavra a Folha de São Paulo, em editorial de 8 de março de 2010: “O PATRIMÔNIO dos fundos de pensão fechados no Brasil cresceu rapidamente nos últimos anos e atingiu quase R$ 500 bilhões em fins de 2009. Há, além disso, uma forte concentração dos recursos em fundos patrocinados por empresas estatais -os três maiores do país (Previ, Funcef e Petros) detinham em novembro de 2009 um patrimônio de R$ 219 bilhões, equivalente a 45% do total do setor. É por meio deles -e do BNDES- que o governo vem aumentando sua influência nos principais setores da economia.(…). Os fundos de pensão patrocinados por empresas públicas estão sendo metamorfoseados em instrumentos de poder político, a serviço do governo de plantão e da burocracia sindical que hoje domina as representações de empregados e empregadores.(…). O problema é o enfraquecimento dos freios e contrapesos institucionais que estão na base de uma fiscalização eficaz. Com isso, abre-se caminho para a fusão de interesses entre governo, sindicatos, fundos de pensão e empresários favoritos, que, se perenizada, pode vir a representar até uma ameaça ao bom funcionamento da democracia.…” (FOLHA DE SÃO PAULO. Estado empresarial. 8 mar. 2010. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0803201001.htm Acesso em 08 mar. 2010).

A propósito, a ajuda do BNDES não se limita a atividades destes “conglomerados” no país. Segundo notícia publicada na Folha de São Paulo: “…Em 2009, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) bateu o recorde em sua linha de financiamentos às exportações de serviços e bens brasileiros para a América Latina e o Caribe: desembolsou US$ 726 milhões a países da região, sobretudo para a contratação de obras de infraestrutura, realizadas por empreiteiras brasileiras. Na média anual do primeiro mandato de Lula (2003 a 2006), os desembolsos ficaram em US$ 352,1 milhões -cifra 26% superior à média do segundo governo FHC. Essa média subiu 77% no segundo mandato de Lula, para US$ 622 milhões, segundo dados compilados a pedido da Folha. Lançada em 1997, a linha especial de crédito já movimentou US$ 4,9 bilhões na América Latina.(…). Entre as construtoras, a Odebrecht, há 30 anos no mercado externo, foi a maior beneficiada. Dos cerca de US$ 600 milhões que a empresa recebeu em 2009 dessa linha do BNDES, 80%, ou US$ 480 milhões, foram referentes a contratos na Argentina e na República Dominicana -o restante corresponde a Angola.…” (ANTUNES, Cláudia e SOARES, Pedro. BNDES bate recordes de desembolsos à AL. Folha de São Paulo, 08 mar. 2010. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi0803201007.htm Acesso em 08 mar. 2010).

Não é de impressionar que os megaempresários do país sejam grandes entusiastas da continuidade do governo Lula, como nos mostrou, recentemente, Abílio Diniz, na posse do novo presidente do Grupo Pão de Açúcar. Como diz o sociólogo Francisco de Oliveira, em reportagem da Folha de São Paulo, “…o segundo[ o presidente Lula, observação nossa], ao favorecer a fusão de empresas, promove uma ‘centralização de capitais de uma forma que o Brasil jamais viu’ (ANTUNES, Cláudia. Capitalismo de FHC é de museu, diz sociólogo. Folha de São Paulo. 11 mar. 2010. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1103201006.htm Acesso em 11 mar. 2010).

Ora, como falarmos em uma real e consistente redistribuição de renda, de maior igualdade entre os cidadãos, se vemos as “vacas de Basã” (Am.4:1), cada vez mais fortes e mais livres para “oprimir os pobres”, “quebrantar os necessitados” e dizer aos seus senhores (o governo): “Dá cá e bebamos”?

Ah, poderá alguém dizer, como querermos fazer uma crítica fundamentada ao governo Lula tomando um editor da “Folha de São Paulo” ou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso como parâmetros, conhecidos “inimigos” do PT?

Com a palavra o presidente do IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), órgão do Ministério do Planejamento, Márcio Poichmann, “petista de carteirinha” e que, inclusive, foi secretário da ex-prefeita de São Paulo, Marta Suplicy: “…O avanço das políticas públicas de caráter distributivo permitiu, em consequência, reduzir e até superar a pobreza extrema, quando não a absoluta, mesmo sem contemplar medidas contra a concentração da renda e riqueza.(…). Se os pobres pagam mais tributos proporcionalmente à renda que os ricos, as políticas distributivas podem reduzir a pobreza sem, contudo, diminuir decisivamente a concentração da renda e da riqueza. Por conta disso, a antiga medida de pobreza assentada no conceito de insuficiência de renda para atender determinado padrão de consumo mínimo ou básico passou a ser substituída pela medida de pobreza relativa. Ou seja, a pobreza que considera as condições de vida alcançada pelos ricos (concentração da renda), não somente o limite mínimo da sobrevivência ou da reprodução humana.(…) Foi nesse contexto que as políticas públicas distributivas (saúde, educação, transferência direta de renda) foram combinadas com as políticas redistributivas, o que tornou o sistema tributário comprometido com a justiça social. A progressão tributária sobre a distribuição da renda, acompanhada por políticas distributivas, possibilitou combater efetivamente as diferentes formas de pobreza. Essa é a fase em que o Brasil se encontra atualmente, e precisa urgentemente avançar.…” (Pobrezas. Folha de São Paulo, 05 fev. 2010. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0502201008.htm Acesso em 05 fev. 2010).

Pelo que se verifica, pois, também este integrante do governo Lula admite que a concentração de renda não diminuiu apesar da política empreendida e que é preciso avançar.

O que propõe a respeito o programa apresentado pelo PT à sociedade brasileira?

Vejamos o programa:

“…20. As possibilidades abertas para a sociedade com os grandes avanços científicos e tecnológicos, combinadas com a necessidade de expansão do mercado interno e a dura competitividade global, que a crise acentuou, exigem uma profunda transformação do sistema produtivo. Essa mudança já foi iniciada em muitos setores. Deve prosseguir a abordagem sistêmica, indutora e focada nas demandas das cadeias produtivas nacionais e do consumo. É necessário ampliar a articulação entre os diversos planos de desenvolvimento, como os PAC 1 e 2, com outros planos setoriais e das empresas estatais.

21. Para tanto, será necessário:

a) aprofundamento das políticas creditícias para o setor produtivo por parte do BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, BNB e BASA. Os bancos devem orientar-se para a produção e o consumo, a custos cada vez menores, de modo a promover o emprego e a renda em um quadro de estabilidade monetária;

b) apoio à internacionalização das empresas brasileiras, garantido o interesse nacional e respeitada a soberania e as leis das nações;

O programa, pelo que se verifica, defende a continuidade do processo, sem qualquer avanço para o fim do que Poichmann chama de “pobreza relativa”. É a perpetuação da “aliança” mencionada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. É a política da alimentação crescente das vacas de Basã, o que não pode ser aceito por quem segue a Palavra de Deus.

A propósito, vemos aqui a concretização daqueles dois obstáculos que o Papa João Paulo II identificava como fatores alimentadores das estruturas sociais de pecado, “in verbis”: “ …As ações e as atitudes opostas à vontade de Deus e ao bem do próximo, e as estruturas a que elas induzem parecem ser hoje sobretudo duas: ‘Por um lado, há a avidez exclusiva do lucro; e, por outro lado, a sede do poder, com o objetivo de impor aos outros a própria vontade. A cada um destes comportamentos, pode juntar-se, para os caracterizar melhor, a expressão ‘a qualquer preço’ (Encíclica Solicitudo rei socialis, nº 37). “ (PONTÍFÍCIO CONSELHO “JUSTIÇA E PAZ”. Compêndio da doutrina social da Igreja, nº 119. Trad. CNBB. São Paulo: Paulinas, 2005, p.77)

Não bastasse a manutenção de um perfil de desigualdade pelo atual Governo, que se pretende continuar no “pós-Lula”, o programa de redistribuição de renda, embora justo e digno de aplauso e apoio, tem se desvirtuado perigosamente em moeda eleitoral, em modalidade moderna de “voto de cabresto”, sendo o principal responsável pela dianteira da candidatura governista (a pesquisa Datafolha de final de fevereiro mostra que, entre os beneficiários do programa, a candidata governista alcança 40% das intenções de voto, contra apenas 25% do principal candidato da oposição), já que não há qualquer interesse em se fiscalizar se os beneficiários já têm perfil que os permita sair da dependência do benefício, ante o adiamento oportunista para só depois da eleição do cancelamento dos que não se recadastraram em 2009, o que atingiria, segundo dados, cerca de 975 mil pessoas.

Tal estado de coisas é de se lamentar, pois representa a negação de princípio bíblico de que a economia deve ser baseada no trabalho, pois só assim se terá a dignidade da pessoa humana, princípio, aliás, que está inserido na Constituição da República (artigo 170, “caput”).

Urge, pois, prosseguir com o programa de redistribuição de renda, mas, também, criar mecanismos para que esta redistribuição permita ao beneficiário de hoje tornar-se alguém que não mais dependa do benefício amanhã, não se cedendo à tentação da transformação destes programas em “reserva eleitoral”, em “currais eleitorais”, máxime quando a votação do PT começa a crescer nos “grotões” do país.

Com efeito, como nos dá conta o jornalista político Políbio Braga, “…O PT que nasceu urbano virou um partido dos grotões. Foram os votos obtidos nos pequenos municípios com no máximo 10 mil eleitores que permitiram ao PT crescer 33% neste ano[2008, observação nossa], em números de prefeituras conquistadas, em comparação com a eleição de 2004. Os dados atualizados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que nessas cidades pequenas, o PT elegeu 277 prefeitos. Nas eleições de 2004, o partido elegeu 219 prefeitos nessas cidades e em 2000, foram apenas 77. Nas cidades com até 20 mil eleitores, o PT também cresceu - foram 45 prefeituras a mais do que nas eleições passadas, um aumento de 59%.’A boa imagem do presidente está muito ligada a esse perfil de eleitor. O discurso do presidente é adequado justamente para esse perfil’, explicou o cientista político Leonardo Barreto, da Universidade de Brasília (UnB). Além disso, diz o pesquisador, os principais programas do governo, como Bolsa Família e Luz para Todos, estão voltados principalmente para essas pequenas cidades, que carecem de infra-estrutura e dependem fortemente de recursos federais, o que acaba ajudando na eleição de candidatos aliados a Lula.
Essa tática do PT confirmada no domingo inverte a orientação do partido quando foi fundado, em 1980.…” (O PT virou o partido dos grotões. Tribuna da Imprensa, 08 out. 2008. Disponível em: http://polibiobraga.blogspot.com/2008/10/o-pt-virou-o-partido-dos-grotes.html Acesso em 08 mar. 2010).

Não se vê, pois, num projeto de poder, interesse por parte do Partido dos Trabalhadores de abrir mão destes “currais eleitorais”, que o torna o verdadeiro “coronel do século XXI”.

A propósito, é André Singer (Raízes sociais e ideológicas do lulismo, Novos Estudos, n.95, nov. 2009, pp. 82-103. Disponível em: http://novosestudos.uol.com.br/acervo/acervo_artigo.asp?idMateria=1356 Acesso em 28 jan. 2010) que foi assessor de imprensa do Presidente Lula no primeiro mandato, quem mostra que já em 2006 o PT conquistara esta faixa do eleitorado, que compõe o que se denomina de “subproletariado”, entendidos como os que têm uma renda mensal básica de até um salário mínimo mensal, que são “conservadores”, ou seja, sempre apoiam aqueles que demonstram que haverá reais perspectivas de melhora de vida sem rupturas, sem alteração da ordem, levando a população, que se beneficia com as “migalhas” dos gastos governamentais, a votar num discurso de continuidade e de garantia de sobrevivência.

Tal estudo somente reforça o que disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso recentemente: “…A tendência que vem marcando os últimos 18 meses do atual governo nos levará, pouco a pouco, para um modelo de sociedade que se baseia na predominância de uma forma de capitalismo na qual governo e algumas grandes corporações, especialmente públicas, unem-se sob a tutela de uma burocracia permeada por interesses corporativos e partidários. Especialmente de um partido cujo programa recente se descola da tradição democrática brasileira, para dizer o mínimo. Cada vez mais nos aproximamos de uma forma de organização política inspirada em um capitalismo com forte influência burocrática e predomínio de um partido.(…) o resultado será o mesmo: pouco a pouco, o “pensamento único”, agora sim, esmagará os anseios dos que sustentam uma visão aberta da sociedade e se opõem ao capitalismo de Estado controlado por forças partidárias quase únicas infiltradas na burocracia do Estado.…” (Hora de união. Disponível em: http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?edition=14422&local=1§ion=1012&source=a2861196.xml&template=3898.dwt&uf=1 Acesso em 10 abr. 2010).

Vemos assim que tanto o ex-assessor de imprensa do presidente Lula quanto seu antecessor concordam neste ponto, o que, uma vez mais, descarta a ideia de que estamos a nos basear em pensamentos preconceituosos ou antecipadamente contrários ao atual governo e seu partido.

Com relação a este tema, a resolução do PT anuncia que o novo governo se compromete com “…aprimoramento permanente dos programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, para erradicar a fome e a pobreza, facilitar o acesso de homens e mulheres ao emprego, formação, saúde e melhor renda; transição do Bolsa família para a Renda Básica de Cidadania – RBC, incondicional, como um direito de todos participarem da riqueza da nação, conforme prevista na Lei 10.853/2004, de iniciativa do PT, aprovada por todos os partidos no Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 8 de janeiro de 2004…” (item 19 “f” e “g” da resolução).

Nota-se, pois, uma preocupação em se melhorar o programa e em se tornar o Bolsa Família em Renda Básica da Cidadania, o que, confessadamente, não se fez há seis anos. Há, pois, uma nítida acomodação na proposta, a nos revelar que, neste ponto, o futuro governo pretende ser uma “continuidade” do atual, cuja insuficiência é manifesta, até porque o “assistencialismo” rende votos e está plenamente de acordo com o projeto de poder do partido.

Tanto assim é que, quando está a prometer “crescimento de renda dos trabalhadores”, o programa é assaz abstrato, “in verbis”: “crescimento da renda dos trabalhadores, não só pelos aumentos salariais, mas por eficientes políticas públicas de educação, saúde, transporte, habitação e saneamento;” (item 19 “e”), a demonstrar um verdadeiro interesse em manutenção da atual política de distribuição de renda de forma dependente e submissa aos “coronéis do século XXI”. Como disse o jornal gaúcho Zero Hora em editorial de 26 de junho de 2008, quando foi sepultada Ruth Cardoso, que, como admite o próprio ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome do governo Lula, Patrus Ananias, foi quem “…pôs na agenda do governo o combate à pobreza e lançou as sementes dos programas sociais do governo Lula…” (WEBER, Demétrio e BARBOSA, Adauri Antunes. Ruth Cardoso: ela mudou o social. O Globo, 20 dez. 2008. Disponível em: http://portaldovoluntario.org.br/blogs/54354/posts/1953 Acesso em 08 mar. 2010): “…uma política de assistência social só será transformadora se estabelecer como condição e tiver como objetivo dar ao assistido instrumentos para seu avanço social e sua libertação como pessoa” (ZERO HORA. Necessidade e assistencialismo. Disponível em: http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a2000483.xml&template=3898.dwt&edition=10144§ion=66 Acesso em 08 mar. 2010).

A proposta do Evangelho é, aliás, a de fazer o homem depender única e exclusivamente de Deus. O apóstolo Paulo ensina-nos que “…o que é chamado pelo Senhor, sendo servo é liberto do Senhor e, da mesma maneira, também o que é chamado sendo livre, servo é de Cristo. Fostes comprados por bom preço: não vos façais servos dos homens.” (I Co.7:22,23).

Por isso, razão tem o blogueiro cristão Júlio Severo quando diz que “…Ao cidadão cristão, resta, como fez seu Mestre Jesus, rejeitar a tentação moderna de Satanás através de ofertas de bolsas-famílias e bolsas-concessões e dizer: ‘Não, aquele político ou este governo não é meu salvador para suprir minhas necessidades básicas. Jesus é meu Deus e só votarei num político que respeite as atribuições que Deus deu ao Estado’ (Você decide: quem será o salvador do Brasil? Disponível em: http://juliosevero.blogspot.com/ Acesso em 08 mar. 2010).

O Evangelho exige que qualquer governo priorize a diminuição das desigualdades sociais bem como permita a todo homem condições para que possa sobreviver, com dignidade, através do fruto do seu trabalho. Entretanto, projetos de poder que tenham como objetivo a criação de uma dependência de sobrevivência a uma submissão a um governo, cada vez mais poderoso em virtude de um processo de concentração de renda cada vez mais intenso, não têm apoio algum por parte dos que seguem a Cristo Jesus.

O profeta Amós denunciava aqueles que “…vendiam o justo por dinheiro e o necessitado, por um par de sapatos” (Am.2:6). Deus continua o mesmo, Aquele que não admite que o ser humano se transforme em “moeda eleitoral”, em “mercadoria” para a manutenção do poder.

O programa apresentado pelo Partido dos Trabalhadores mantém este “statu quo” e, por isso, não pode ter o apoio daqueles que seguem a Cristo Jesus, os quais desejam uma política de distribuição de renda que diminua realmente a desigualdade social e que traga reais condições de libertação dos pobres.

Lembramos, a propósito, a parte final do sexto mandamento do Decálogo do Voto Ético, formulado pela Associação Evangélica Brasileira (AEvB), entidade que não pode ser considerada “antipetista”, como poderiam dizer do blogueiro Júlio Severo há pouco mencionado. Diz referido mandamento: “…Um político de fé evangélica tem que ser, sobretudo, um evangélico na política e não apenas um ‘despachante’ de igrejas. Ao defender os direitos universais do homem, a democracia, o estado leigo, entre outras conquistas, o cristão estará defendendo a Igreja” (Disponível em: http://www.montesiao.pro.br/estudos/politica/decalogo_voto.html Acesso em 08 mar. 2010).

Ora, se um político de fé tem de defender os direitos universais do homem, como aceitarmos a defesa do “voto de cabresto”, a dependência de homens a outros para sobreviver, em troca de um prato de comida, ainda que na forma de um cartão magnético de saque mensal?

Como admitir que a política se faça na base do “despachante de bolsas-família”? Evidentemente que não é esta a linha que pode ser adotada por quem cristão se diz ser. Por isso, não há como deixar de reconhecer que não há como um verdadeiro cristão apoiar referido programa de governo e a candidatura nele baseada.

* Grupo Interdisciplinar Bíblico de Estudos e Análises - Análises – grupo informal de estudos bíblicos nascido na década de 1990 no corpo docente da Faculdade Evangélica de São Paulo (FAESP) e que hoje tem vida autônoma e esporádica produção.















A GRANDE TRANSFORMAÇÃO É O EVANGELHO (I)
GIBEÁ*


Sob o título “A grande transformação”, o Partido dos Trabalhadores (PT), ao final do seu IV Congresso, apresentou à sociedade brasileira as diretrizes do programa de governo que pretende apresentar nas eleições gerais deste ano, programa este que norteará a candidatura de Dilma Roussef à Presidência da República, com a qual o PT pretende ficar pelo menos mais quatro anos à frente dos destinos do Brasil.

Esta resolução do PT não pode ser considerada o programa de governo definitivo da candidata, visto que sua candidatura será apoiada por um número razoável de partidos políticos, em especial o PMDB, que já adiantou que exigirá participar da elaboração do programa de governo. No entanto, como o PT é a força majoritária desta coalizão e o que tem a esmagadora maioria dos cargos em comissão da Administração Pública Federal, não se pode deixar de observar que é nesta resolução que teremos os parâmetros que querem induzir o Brasil nos próximos quatro ou oito anos, até porque o mesmo PMDB não passa, hoje, de uma federação fragmentada de grupos políticos regionais.

Enquanto portadores de dupla cidadania, dos céus e da Terra, os servos de Cristo Jesus precisam, em instantes cruciais como o que vivemos, ter uma postura política consciente e fazer com que seu direito e dever de votar seja utilizado com a finalidade de cumprir a missão que é imposta a todo salvo em Jesus: o de ser luz do mundo e sal da terra, o de pregar o Evangelho a toda criatura.

A pregação do Evangelho não se faz apenas em sermões, mas, sobretudo, em nossa maneira de viver, que não pode ser vã, ou seja, vazia de sentido, mas que reflita não só que temos como alvo as moradas celestiais, mas, também, a realização do reino de Deus, que já está entre nós, na sociedade em que vivemos.

Somente demonstraremos que Jesus nos salvos e nos libertou do pecado se, de forma efetiva e concreta, contribuirmos para que este mundo seja mudado pelo Evangelho, o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, se agirmos de modo a que o mundo veja e entenda que há salvação na pessoa de Cristo, que é possível construir-se uma civilização com base no amor a Deus e no amor ao próximo.

Para tanto, devemos, como cidadãos, examinar os programas de governo, as propostas trazidas à sociedade e, dentro de uma perspectiva evangélica, observar o que é conforme com a Palavra de Deus e o que não o é, pois, na luta pela construção de uma sociedade fraterna e solidária, sob a égide do amor, não podemos nos iludir: quem não é com Cristo, é contra Ele e quem com Ele não ajunta, espalha (Mt.12:30; Lc.11:23).

Neste passo, aliás, de lembrarmos o teor do início do oitavo mandamento do Decálogo do Voto Ético da Associação Evangélica Brasileira, que fazemos questão de reproduzir:

“…VIII. Os votos para Presidente da República e para cargos majoritários devem, sobretudo, basear-se em programas de governo, e no conjunto das forças partidárias por detrás de tais candidaturas que, no Brasil, são, em extremo, determinantes; não em função de "boatos" do tipo: ‘O candidato tal é ateu’; ou: ‘O fulano vai fechar as igrejas’; ou: ‘O sicrano não vai dar nada para os evangélicos’; ou ainda: ‘O beltrano é bom porque dará muito para os evangélicos’. É bom saber que a Constituição do país não dá a quem quer que seja o poder de limitar a liberdade religiosa de qualquer grupo. Além disso, é válido observar que aqueles que espalham tais boatos, quase sempre, têm a intenção de induzir os votos dos eleitores assustados e impressionados, na direção de um candidato com o qual estejam comprometidos.…” (Disponível em: http://www.montesiao.pro.br/estudos/politica/decalogo_voto.html Acesso em 03 mar. 2010.

Ao apresentar suas diretrizes à sociedade brasileira, o PT cumpre o seu papel como partido político e nós, servos de Cristo Jesus no Brasil, também temos de cumprir o nosso papel, avaliando a proposta e verificando se ela condiz, ou não, com o Evangelho, a fim de que não venhamos a acreditar em “boatos”, como bem lembra o mencionado Decálogo.

Iremos, pois, analisar os principais tópicos da referida resolução.

A resolução começa com um louvor ao governo Lula, diante do bom momento econômico vivido pelo Brasil, apesar da crise econômico-financeira de 2008, adotando o espírito do “nunca antes neste país”, bordão com que o Presidente da República costuma utilizar como que a dizer que seu governo representa uma ruptura, um reinício da história do Brasil, o que, à evidência, não corresponde à realidade.

A resolução diz que “há sete anos o Brasil passa por uma grande transformação econômica, social e política”, porque “a economia brasileira voltou a crescer” e “numa lógica distinta daquela do passado”. “Ele [o crescimento da economia brasileira] se faz com forte distribuição de renda, com inédito equilíbrio macroeconômico, com redução da vulnerabilidade externa e, sobretudo, com fortalecimento da democracia.…”

Não resta dúvida de que o governo Lula realmente intensificou a distribuição de renda, que já se iniciara, como demonstram os indicadores sócio-econômicos, no governo anterior de Fernando Henrique Cardoso. O Brasil, embora ainda seja um país de grande concentração de renda e de uma desigualdade social ainda vergonhosa, tem diminuído esta diferença, ainda que não se tenham criado condições para que tal mudança seja consistente.

Entre 2003 e 2008, segundo o IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicada) do Ministério do Planejamento, “…a população indigente caiu quase pela metade, saindo de 6,04 milhões para 3,12 milhões nos cinco anos. Os pobres são 11,35 milhões, ante os 15,44 milhões do começo do período, e os ricos passaram de 362,26 mil para 476,59 mil…” (Cai número de pobres e indigentes no Brasil, mostra IPEA. Disponível em: http://oglobo.globo.com/economia/mat/2008/08/05/cai_numero_de_pobres_indigentes_no_brasil_mostra_ipea-547583464.asp Acesso em 04 mar. 2010).

A existência de programas de redistribuição de renda é, sem dúvida, algo que deve ser apoiado pelos seguidores do Evangelho de Jesus Cristo, visto que as Escrituras Sagradas mostram, claramente, que é da vontade de Deus que não haja gritantes diferenças entre as pessoas numa sociedade, como se verifica de instituições criadas por Deus para Israel como o ano do jubileu (Lv.25) e a lei da respiga (Lv.19:9,10), até porque sempre existirá a pobreza (Jo.12:8)..

No entanto, programas de redistribuição de renda têm de ser acompanhados de mecanismos que criem condições para que a ajuda emergencial seja temporária e se permita aos necessitados condições para que tenham como adquirir seu sustento por meio do trabalho, que é a forma estabelecida por Deus para a sobrevivência do homem sobre a face da Terra (Gn.2:15; 3:17-19).

O trabalho é essencial ao homem, porque, por meio dele, o homem se assemelha ao seu Criador (Jo.5:17). Jesus, mesmo, deu o exemplo sendo um carpinteiro enquanto não se dedicou ao Seu ministério salvífico (Mt.13:55; Mc.6:3).

Os instrumentos existentes em Israel promoveriam, se fossem respeitados pelos israelitas, uma distribuição de renda mais justa e não permitiriam a opressão dos pobres, que ficavam à mercê dos ricos, precisamente o que foi denunciado pelos profetas no período final da história dos reinos independentes seja de Israel, seja de Judá, como vemos, por exemplo, em Amós (Am.2:6,7; 4:1; 5:11,12) e em Miqueias (Mq.2:1,2; 3:1-3).

Destarte, se é necessária uma política de redistribuição de renda, que faça com que se diminua a distância abissal entre os mais ricos e os mais pobres em nosso país, isto deve ser feito de forma permanente.

O que se tem verificado é que os programas de redistribuição de renda têm sido desacompanhados de outros mecanismos que permitam aos seus beneficiários terem independência do governo, tanto que, apesar da diminuição da desigualdade, o número de beneficiários do Bolsa-Família aumentou ainda mais, sendo certo que, neste ano de 2010, foi adiado para o dia 1º de novembro (não coincidentemente um dia depois da data prevista para um eventual 2º turno das eleições presidenciais), a aplicação dos critérios para exclusão de quem não mais necessita do benefício, que hoje atinge 12,9 milhões de pessoas, depois que o próprio governo ampliou o universo de beneficiários em 2009.

Como se isto fosse pouco, notamos que, embora no Orçamento de 2010 esteja previsto gasto de R$ 13,1 bilhões com o Bolsa-Família e de R$ 7,26 bilhões com o programa Minha Casa, Minha Vida , com juros da dívida interna, o Governo gastará R$ 172 bilhões, ou seja, 8,44 vezes mais.

Sem levar em conta as medidas que favoreceram o capital em meio à crise econômico-financeira, que representaram uma renúncia de R$ 12,4 bilhões em tributos, antes das prorrogações, tendo, ao todo, mobilizado cerca de R$ 483 bilhões para os mais diversos setores da economia, valor que representa 23,72 vezes mais que o que se gasta com os dois principais programas.

É evidente que a ajuda do governo em meio à crise tem um alcance social inegável, pois impediu o aumento do desemprego e a estagnação econômica do país, mas a diferença de valores mostra como ainda estamos longe de uma redução da desigualdade social, de um tratamento mais equilibrado e igualitário, apesar do discurso petista, mais ainda quando se verifica o “inchaço” da Administração com o preenchimento dos cargos em comissão pela militância petista, que gastou R$ 1,2 bilhão em 2009, quando, em 2002, o gasto era de R$ 555 milhões. Isto significa que o gasto com os “companheiros” chega a quase 10% do gasto com o Bolsa Família, sendo que são 22.897 ocupantes de cargos e 12,9 milhões de pessoas os beneficiários do Bolsa Família, numa evidente desigualdade.

Mas não é só!

Como afirma o jornalista Vinicius Torres Freire, editor de Economia da Folha de São Paulo, o governo Lula é um dos grandes responsáveis pela criação de “conglomerados econômicos” em nosso país (FHC privatiza, Lula conglomera. Folha de São Paulo, 02 fev. 2010. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi0202201015.htm Acesso em 02 fev. 2010), o que contribui enormemente para a concentração de renda e para um quadro que facilita a perpetuação da desigualdade. Interessante notar que boa parte destes “impérios empresariais” surgidos nestes oito anos de governo Lula têm sua base em “empreiteiras” (Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez), cujas ligações com os políticos e as malfeitorias por eles praticadas é dispensável mencionar e as operações da Polícia Federal estão aí para mostrar (para não dizer que se trata de “intriga da oposição” ou de “conversa fiada” do que os petistas costumam denominar de “opinião publicada”).

Aliás, no biênio 2009/2010, segundo Vinicius Torres Freire, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) terá R$ 180 bilhões do Tesouro Nacional (ou seja, 8,84 vezes mais do que o reservado para os dois principais programas sociais do governo), para atuar na economia, principalmente para ajudar este processo de concentração, que também foi vista no setor de carnes (JBS), no setor de alimentos (Perdigão-Sadia), da telefonia (Oi), celulose (Aracruz-Votorantim) e até no comércio varejista (Pão de Açúcar-Casas Bahia).

Não bastasse isso, temos os “fundos de pensão”, os grandes “investidores privados” do país, quase todos eles controlados por “companheiros” advindos das burocracias sindicais e que fizeram carreiras nas empresas estatais e sociedades de economia mista que criaram estes fundos (Previ, do Banco do Brasil; Petros, da Petrobrás; Funcef, da Caixa Econômica Federal, entre outros), os quais, também, contribuem enormemente para que se façam os “negócios” que levam à concentração de renda, gerando, assim, o que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso denominou de “…a aliança entre o Estado, os sindicatos, os fundos de pensão e os felizardos de grandes empresas que a eles se associam.” (Para onde vamos. Estado de São Paulo. 01 nov. 2009. Disponível em: http://blog-abulafia.blogspot.com/2009/11/para-onde-vamos-por-fernando-
henrique.html Acesso em 02 nov 2010).

Com a palavra a Folha de São Paulo, em editorial de 8 de março de 2010: “O PATRIMÔNIO dos fundos de pensão fechados no Brasil cresceu rapidamente nos últimos anos e atingiu quase R$ 500 bilhões em fins de 2009. Há, além disso, uma forte concentração dos recursos em fundos patrocinados por empresas estatais -os três maiores do país (Previ, Funcef e Petros) detinham em novembro de 2009 um patrimônio de R$ 219 bilhões, equivalente a 45% do total do setor. É por meio deles -e do BNDES- que o governo vem aumentando sua influência nos principais setores da economia.(…). Os fundos de pensão patrocinados por empresas públicas estão sendo metamorfoseados em instrumentos de poder político, a serviço do governo de plantão e da burocracia sindical que hoje domina as representações de empregados e empregadores.(…). O problema é o enfraquecimento dos freios e contrapesos institucionais que estão na base de uma fiscalização eficaz. Com isso, abre-se caminho para a fusão de interesses entre governo, sindicatos, fundos de pensão e empresários favoritos, que, se perenizada, pode vir a representar até uma ameaça ao bom funcionamento da democracia.…” (FOLHA DE SÃO PAULO. Estado empresarial. 8 mar. 2010. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0803201001.htm Acesso em 08 mar. 2010).

A propósito, a ajuda do BNDES não se limita a atividades destes “conglomerados” no país. Segundo notícia publicada na Folha de São Paulo: “…Em 2009, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) bateu o recorde em sua linha de financiamentos às exportações de serviços e bens brasileiros para a América Latina e o Caribe: desembolsou US$ 726 milhões a países da região, sobretudo para a contratação de obras de infraestrutura, realizadas por empreiteiras brasileiras. Na média anual do primeiro mandato de Lula (2003 a 2006), os desembolsos ficaram em US$ 352,1 milhões -cifra 26% superior à média do segundo governo FHC. Essa média subiu 77% no segundo mandato de Lula, para US$ 622 milhões, segundo dados compilados a pedido da Folha. Lançada em 1997, a linha especial de crédito já movimentou US$ 4,9 bilhões na América Latina.(…). Entre as construtoras, a Odebrecht, há 30 anos no mercado externo, foi a maior beneficiada. Dos cerca de US$ 600 milhões que a empresa recebeu em 2009 dessa linha do BNDES, 80%, ou US$ 480 milhões, foram referentes a contratos na Argentina e na República Dominicana -o restante corresponde a Angola.…” (ANTUNES, Cláudia e SOARES, Pedro. BNDES bate recordes de desembolsos à AL. Folha de São Paulo, 08 mar. 2010. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi0803201007.htm Acesso em 08 mar. 2010).

Não é de impressionar que os megaempresários do país sejam grandes entusiastas da continuidade do governo Lula, como nos mostrou, recentemente, Abílio Diniz, na posse do novo presidente do Grupo Pão de Açúcar. Como diz o sociólogo Francisco de Oliveira, em reportagem da Folha de São Paulo, “…o segundo[ o presidente Lula, observação nossa], ao favorecer a fusão de empresas, promove uma ‘centralização de capitais de uma forma que o Brasil jamais viu’ (ANTUNES, Cláudia. Capitalismo de FHC é de museu, diz sociólogo. Folha de São Paulo. 11 mar. 2010. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1103201006.htm Acesso em 11 mar. 2010).

Ora, como falarmos em uma real e consistente redistribuição de renda, de maior igualdade entre os cidadãos, se vemos as “vacas de Basã” (Am.4:1), cada vez mais fortes e mais livres para “oprimir os pobres”, “quebrantar os necessitados” e dizer aos seus senhores (o governo): “Dá cá e bebamos”?

Ah, poderá alguém dizer, como querermos fazer uma crítica fundamentada ao governo Lula tomando um editor da “Folha de São Paulo” ou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso como parâmetros, conhecidos “inimigos” do PT?

Com a palavra o presidente do IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), órgão do Ministério do Planejamento, Márcio Poichmann, “petista de carteirinha” e que, inclusive, foi secretário da ex-prefeita de São Paulo, Marta Suplicy: “…O avanço das políticas públicas de caráter distributivo permitiu, em consequência, reduzir e até superar a pobreza extrema, quando não a absoluta, mesmo sem contemplar medidas contra a concentração da renda e riqueza.(…). Se os pobres pagam mais tributos proporcionalmente à renda que os ricos, as políticas distributivas podem reduzir a pobreza sem, contudo, diminuir decisivamente a concentração da renda e da riqueza. Por conta disso, a antiga medida de pobreza assentada no conceito de insuficiência de renda para atender determinado padrão de consumo mínimo ou básico passou a ser substituída pela medida de pobreza relativa. Ou seja, a pobreza que considera as condições de vida alcançada pelos ricos (concentração da renda), não somente o limite mínimo da sobrevivência ou da reprodução humana.(…) Foi nesse contexto que as políticas públicas distributivas (saúde, educação, transferência direta de renda) foram combinadas com as políticas redistributivas, o que tornou o sistema tributário comprometido com a justiça social. A progressão tributária sobre a distribuição da renda, acompanhada por políticas distributivas, possibilitou combater efetivamente as diferentes formas de pobreza. Essa é a fase em que o Brasil se encontra atualmente, e precisa urgentemente avançar.…” (Pobrezas. Folha de São Paulo, 05 fev. 2010. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0502201008.htm Acesso em 05 fev. 2010).

Pelo que se verifica, pois, também este integrante do governo Lula admite que a concentração de renda não diminuiu apesar da política empreendida e que é preciso avançar.

O que propõe a respeito o programa apresentado pelo PT à sociedade brasileira?

Vejamos o programa:

“…20. As possibilidades abertas para a sociedade com os grandes avanços científicos e tecnológicos, combinadas com a necessidade de expansão do mercado interno e a dura competitividade global, que a crise acentuou, exigem uma profunda transformação do sistema produtivo. Essa mudança já foi iniciada em muitos setores. Deve prosseguir a abordagem sistêmica, indutora e focada nas demandas das cadeias produtivas nacionais e do consumo. É necessário ampliar a articulação entre os diversos planos de desenvolvimento, como os PAC 1 e 2, com outros planos setoriais e das empresas estatais.

21. Para tanto, será necessário:

a) aprofundamento das políticas creditícias para o setor produtivo por parte do BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, BNB e BASA. Os bancos devem orientar-se para a produção e o consumo, a custos cada vez menores, de modo a promover o emprego e a renda em um quadro de estabilidade monetária;

b) apoio à internacionalização das empresas brasileiras, garantido o interesse nacional e respeitada a soberania e as leis das nações;

O programa, pelo que se verifica, defende a continuidade do processo, sem qualquer avanço para o fim do que Poichmann chama de “pobreza relativa”. É a perpetuação da “aliança” mencionada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. É a política da alimentação crescente das vacas de Basã, o que não pode ser aceito por quem segue a Palavra de Deus.

A propósito, vemos aqui a concretização daqueles dois obstáculos que o Papa João Paulo II identificava como fatores alimentadores das estruturas sociais de pecado, “in verbis”: “ …As ações e as atitudes opostas à vontade de Deus e ao bem do próximo, e as estruturas a que elas induzem parecem ser hoje sobretudo duas: ‘Por um lado, há a avidez exclusiva do lucro; e, por outro lado, a sede do poder, com o objetivo de impor aos outros a própria vontade. A cada um destes comportamentos, pode juntar-se, para os caracterizar melhor, a expressão ‘a qualquer preço’ (Encíclica Solicitudo rei socialis, nº 37). “ (PONTÍFÍCIO CONSELHO “JUSTIÇA E PAZ”. Compêndio da doutrina social da Igreja, nº 119. Trad. CNBB. São Paulo: Paulinas, 2005, p.77)

Não bastasse a manutenção de um perfil de desigualdade pelo atual Governo, que se pretende continuar no “pós-Lula”, o programa de redistribuição de renda, embora justo e digno de aplauso e apoio, tem se desvirtuado perigosamente em moeda eleitoral, em modalidade moderna de “voto de cabresto”, sendo o principal responsável pela dianteira da candidatura governista (a pesquisa Datafolha de final de fevereiro mostra que, entre os beneficiários do programa, a candidata governista alcança 40% das intenções de voto, contra apenas 25% do principal candidato da oposição), já que não há qualquer interesse em se fiscalizar se os beneficiários já têm perfil que os permita sair da dependência do benefício, ante o adiamento oportunista para só depois da eleição do cancelamento dos que não se recadastraram em 2009, o que atingiria, segundo dados, cerca de 975 mil pessoas.

Tal estado de coisas é de se lamentar, pois representa a negação de princípio bíblico de que a economia deve ser baseada no trabalho, pois só assim se terá a dignidade da pessoa humana, princípio, aliás, que está inserido na Constituição da República (artigo 170, “caput”).

Urge, pois, prosseguir com o programa de redistribuição de renda, mas, também, criar mecanismos para que esta redistribuição permita ao beneficiário de hoje tornar-se alguém que não mais dependa do benefício amanhã, não se cedendo à tentação da transformação destes programas em “reserva eleitoral”, em “currais eleitorais”, máxime quando a votação do PT começa a crescer nos “grotões” do país.

Com efeito, como nos dá conta o jornalista político Políbio Braga, “…O PT que nasceu urbano virou um partido dos grotões. Foram os votos obtidos nos pequenos municípios com no máximo 10 mil eleitores que permitiram ao PT crescer 33% neste ano[2008, observação nossa], em números de prefeituras conquistadas, em comparação com a eleição de 2004. Os dados atualizados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que nessas cidades pequenas, o PT elegeu 277 prefeitos. Nas eleições de 2004, o partido elegeu 219 prefeitos nessas cidades e em 2000, foram apenas 77. Nas cidades com até 20 mil eleitores, o PT também cresceu - foram 45 prefeituras a mais do que nas eleições passadas, um aumento de 59%.’A boa imagem do presidente está muito ligada a esse perfil de eleitor. O discurso do presidente é adequado justamente para esse perfil’, explicou o cientista político Leonardo Barreto, da Universidade de Brasília (UnB). Além disso, diz o pesquisador, os principais programas do governo, como Bolsa Família e Luz para Todos, estão voltados principalmente para essas pequenas cidades, que carecem de infra-estrutura e dependem fortemente de recursos federais, o que acaba ajudando na eleição de candidatos aliados a Lula.
Essa tática do PT confirmada no domingo inverte a orientação do partido quando foi fundado, em 1980.…” (O PT virou o partido dos grotões. Tribuna da Imprensa, 08 out. 2008. Disponível em: http://polibiobraga.blogspot.com/2008/10/o-pt-virou-o-partido-dos-grotes.html Acesso em 08 mar. 2010).

Não se vê, pois, num projeto de poder, interesse por parte do Partido dos Trabalhadores de abrir mão destes “currais eleitorais”, que o torna o verdadeiro “coronel do século XXI”.

A propósito, é André Singer (Raízes sociais e ideológicas do lulismo, Novos Estudos, n.95, nov. 2009, pp. 82-103. Disponível em: http://novosestudos.uol.com.br/acervo/acervo_artigo.asp?idMateria=1356 Acesso em 28 jan. 2010) que foi assessor de imprensa do Presidente Lula no primeiro mandato, quem mostra que já em 2006 o PT conquistara esta faixa do eleitorado, que compõe o que se denomina de “subproletariado”, entendidos como os que têm uma renda mensal básica de até um salário mínimo mensal, que são “conservadores”, ou seja, sempre apoiam aqueles que demonstram que haverá reais perspectivas de melhora de vida sem rupturas, sem alteração da ordem, levando a população, que se beneficia com as “migalhas” dos gastos governamentais, a votar num discurso de continuidade e de garantia de sobrevivência.

Tal estudo somente reforça o que disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso recentemente: “…A tendência que vem marcando os últimos 18 meses do atual governo nos levará, pouco a pouco, para um modelo de sociedade que se baseia na predominância de uma forma de capitalismo na qual governo e algumas grandes corporações, especialmente públicas, unem-se sob a tutela de uma burocracia permeada por interesses corporativos e partidários. Especialmente de um partido cujo programa recente se descola da tradição democrática brasileira, para dizer o mínimo. Cada vez mais nos aproximamos de uma forma de organização política inspirada em um capitalismo com forte influência burocrática e predomínio de um partido.(…) o resultado será o mesmo: pouco a pouco, o “pensamento único”, agora sim, esmagará os anseios dos que sustentam uma visão aberta da sociedade e se opõem ao capitalismo de Estado controlado por forças partidárias quase únicas infiltradas na burocracia do Estado.…” (Hora de união. Disponível em: http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?edition=14422&local=1§ion=1012&source=a2861196.xml&template=3898.dwt&uf=1 Acesso em 10 abr. 2010).

Vemos assim que tanto o ex-assessor de imprensa do presidente Lula quanto seu antecessor concordam neste ponto, o que, uma vez mais, descarta a ideia de que estamos a nos basear em pensamentos preconceituosos ou antecipadamente contrários ao atual governo e seu partido.

Com relação a este tema, a resolução do PT anuncia que o novo governo se compromete com “…aprimoramento permanente dos programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, para erradicar a fome e a pobreza, facilitar o acesso de homens e mulheres ao emprego, formação, saúde e melhor renda; transição do Bolsa família para a Renda Básica de Cidadania – RBC, incondicional, como um direito de todos participarem da riqueza da nação, conforme prevista na Lei 10.853/2004, de iniciativa do PT, aprovada por todos os partidos no Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 8 de janeiro de 2004…” (item 19 “f” e “g” da resolução).

Nota-se, pois, uma preocupação em se melhorar o programa e em se tornar o Bolsa Família em Renda Básica da Cidadania, o que, confessadamente, não se fez há seis anos. Há, pois, uma nítida acomodação na proposta, a nos revelar que, neste ponto, o futuro governo pretende ser uma “continuidade” do atual, cuja insuficiência é manifesta, até porque o “assistencialismo” rende votos e está plenamente de acordo com o projeto de poder do partido.

Tanto assim é que, quando está a prometer “crescimento de renda dos trabalhadores”, o programa é assaz abstrato, “in verbis”: “crescimento da renda dos trabalhadores, não só pelos aumentos salariais, mas por eficientes políticas públicas de educação, saúde, transporte, habitação e saneamento;” (item 19 “e”), a demonstrar um verdadeiro interesse em manutenção da atual política de distribuição de renda de forma dependente e submissa aos “coronéis do século XXI”. Como disse o jornal gaúcho Zero Hora em editorial de 26 de junho de 2008, quando foi sepultada Ruth Cardoso, que, como admite o próprio ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome do governo Lula, Patrus Ananias, foi quem “…pôs na agenda do governo o combate à pobreza e lançou as sementes dos programas sociais do governo Lula…” (WEBER, Demétrio e BARBOSA, Adauri Antunes. Ruth Cardoso: ela mudou o social. O Globo, 20 dez. 2008. Disponível em: http://portaldovoluntario.org.br/blogs/54354/posts/1953 Acesso em 08 mar. 2010): “…uma política de assistência social só será transformadora se estabelecer como condição e tiver como objetivo dar ao assistido instrumentos para seu avanço social e sua libertação como pessoa” (ZERO HORA. Necessidade e assistencialismo. Disponível em: http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a2000483.xml&template=3898.dwt&edition=10144§ion=66 Acesso em 08 mar. 2010).

A proposta do Evangelho é, aliás, a de fazer o homem depender única e exclusivamente de Deus. O apóstolo Paulo ensina-nos que “…o que é chamado pelo Senhor, sendo servo é liberto do Senhor e, da mesma maneira, também o que é chamado sendo livre, servo é de Cristo. Fostes comprados por bom preço: não vos façais servos dos homens.” (I Co.7:22,23).

Por isso, razão tem o blogueiro cristão Júlio Severo quando diz que “…Ao cidadão cristão, resta, como fez seu Mestre Jesus, rejeitar a tentação moderna de Satanás através de ofertas de bolsas-famílias e bolsas-concessões e dizer: ‘Não, aquele político ou este governo não é meu salvador para suprir minhas necessidades básicas. Jesus é meu Deus e só votarei num político que respeite as atribuições que Deus deu ao Estado’ (Você decide: quem será o salvador do Brasil? Disponível em: http://juliosevero.blogspot.com/ Acesso em 08 mar. 2010).

O Evangelho exige que qualquer governo priorize a diminuição das desigualdades sociais bem como permita a todo homem condições para que possa sobreviver, com dignidade, através do fruto do seu trabalho. Entretanto, projetos de poder que tenham como objetivo a criação de uma dependência de sobrevivência a uma submissão a um governo, cada vez mais poderoso em virtude de um processo de concentração de renda cada vez mais intenso, não têm apoio algum por parte dos que seguem a Cristo Jesus.

O profeta Amós denunciava aqueles que “…vendiam o justo por dinheiro e o necessitado, por um par de sapatos” (Am.2:6). Deus continua o mesmo, Aquele que não admite que o ser humano se transforme em “moeda eleitoral”, em “mercadoria” para a manutenção do poder.

O programa apresentado pelo Partido dos Trabalhadores mantém este “statu quo” e, por isso, não pode ter o apoio daqueles que seguem a Cristo Jesus, os quais desejam uma política de distribuição de renda que diminua realmente a desigualdade social e que traga reais condições de libertação dos pobres.

Lembramos, a propósito, a parte final do sexto mandamento do Decálogo do Voto Ético, formulado pela Associação Evangélica Brasileira (AEvB), entidade que não pode ser considerada “antipetista”, como poderiam dizer do blogueiro Júlio Severo há pouco mencionado. Diz referido mandamento: “…Um político de fé evangélica tem que ser, sobretudo, um evangélico na política e não apenas um ‘despachante’ de igrejas. Ao defender os direitos universais do homem, a democracia, o estado leigo, entre outras conquistas, o cristão estará defendendo a Igreja” (Disponível em: http://www.montesiao.pro.br/estudos/politica/decalogo_voto.html Acesso em 08 mar. 2010).

Ora, se um político de fé tem de defender os direitos universais do homem, como aceitarmos a defesa do “voto de cabresto”, a dependência de homens a outros para sobreviver, em troca de um prato de comida, ainda que na forma de um cartão magnético de saque mensal?

Como admitir que a política se faça na base do “despachante de bolsas-família”? Evidentemente que não é esta a linha que pode ser adotada por quem cristão se diz ser. Por isso, não há como deixar de reconhecer que não há como um verdadeiro cristão apoiar referido programa de governo e a candidatura nele baseada.

* Grupo Interdisciplinar Bíblico de Estudos e Análises - Análises – grupo informal de estudos bíblicos nascido na década de 1990 no corpo docente da Faculdade Evangélica de São Paulo (FAESP) e que hoje tem vida autônoma e esporádica produção.

A GRANDE TRANSFORMAÇÃO É O EVANGELHO (I)
GIBEÁ*


Sob o título “A grande transformação”, o Partido dos Trabalhadores (PT), ao final do seu IV Congresso, apresentou à sociedade brasileira as diretrizes do programa de governo que pretende apresentar nas eleições gerais deste ano, programa este que norteará a candidatura de Dilma Roussef à Presidência da República, com a qual o PT pretende ficar pelo menos mais quatro anos à frente dos destinos do Brasil.

Esta resolução do PT não pode ser considerada o programa de governo definitivo da candidata, visto que sua candidatura será apoiada por um número razoável de partidos políticos, em especial o PMDB, que já adiantou que exigirá participar da elaboração do programa de governo. No entanto, como o PT é a força majoritária desta coalizão e o que tem a esmagadora maioria dos cargos em comissão da Administração Pública Federal, não se pode deixar de observar que é nesta resolução que teremos os parâmetros que querem induzir o Brasil nos próximos quatro ou oito anos, até porque o mesmo PMDB não passa, hoje, de uma federação fragmentada de grupos políticos regionais.

Enquanto portadores de dupla cidadania, dos céus e da Terra, os servos de Cristo Jesus precisam, em instantes cruciais como o que vivemos, ter uma postura política consciente e fazer com que seu direito e dever de votar seja utilizado com a finalidade de cumprir a missão que é imposta a todo salvo em Jesus: o de ser luz do mundo e sal da terra, o de pregar o Evangelho a toda criatura.

A pregação do Evangelho não se faz apenas em sermões, mas, sobretudo, em nossa maneira de viver, que não pode ser vã, ou seja, vazia de sentido, mas que reflita não só que temos como alvo as moradas celestiais, mas, também, a realização do reino de Deus, que já está entre nós, na sociedade em que vivemos.

Somente demonstraremos que Jesus nos salvos e nos libertou do pecado se, de forma efetiva e concreta, contribuirmos para que este mundo seja mudado pelo Evangelho, o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê, se agirmos de modo a que o mundo veja e entenda que há salvação na pessoa de Cristo, que é possível construir-se uma civilização com base no amor a Deus e no amor ao próximo.

Para tanto, devemos, como cidadãos, examinar os programas de governo, as propostas trazidas à sociedade e, dentro de uma perspectiva evangélica, observar o que é conforme com a Palavra de Deus e o que não o é, pois, na luta pela construção de uma sociedade fraterna e solidária, sob a égide do amor, não podemos nos iludir: quem não é com Cristo, é contra Ele e quem com Ele não ajunta, espalha (Mt.12:30; Lc.11:23).

Neste passo, aliás, de lembrarmos o teor do início do oitavo mandamento do Decálogo do Voto Ético da Associação Evangélica Brasileira, que fazemos questão de reproduzir:

“…VIII. Os votos para Presidente da República e para cargos majoritários devem, sobretudo, basear-se em programas de governo, e no conjunto das forças partidárias por detrás de tais candidaturas que, no Brasil, são, em extremo, determinantes; não em função de "boatos" do tipo: ‘O candidato tal é ateu’; ou: ‘O fulano vai fechar as igrejas’; ou: ‘O sicrano não vai dar nada para os evangélicos’; ou ainda: ‘O beltrano é bom porque dará muito para os evangélicos’. É bom saber que a Constituição do país não dá a quem quer que seja o poder de limitar a liberdade religiosa de qualquer grupo. Além disso, é válido observar que aqueles que espalham tais boatos, quase sempre, têm a intenção de induzir os votos dos eleitores assustados e impressionados, na direção de um candidato com o qual estejam comprometidos.…” (Disponível em: http://www.montesiao.pro.br/estudos/politica/decalogo_voto.html Acesso em 03 mar. 2010.

Ao apresentar suas diretrizes à sociedade brasileira, o PT cumpre o seu papel como partido político e nós, servos de Cristo Jesus no Brasil, também temos de cumprir o nosso papel, avaliando a proposta e verificando se ela condiz, ou não, com o Evangelho, a fim de que não venhamos a acreditar em “boatos”, como bem lembra o mencionado Decálogo.

Iremos, pois, analisar os principais tópicos da referida resolução.

A resolução começa com um louvor ao governo Lula, diante do bom momento econômico vivido pelo Brasil, apesar da crise econômico-financeira de 2008, adotando o espírito do “nunca antes neste país”, bordão com que o Presidente da República costuma utilizar como que a dizer que seu governo representa uma ruptura, um reinício da história do Brasil, o que, à evidência, não corresponde à realidade.

A resolução diz que “há sete anos o Brasil passa por uma grande transformação econômica, social e política”, porque “a economia brasileira voltou a crescer” e “numa lógica distinta daquela do passado”. “Ele [o crescimento da economia brasileira] se faz com forte distribuição de renda, com inédito equilíbrio macroeconômico, com redução da vulnerabilidade externa e, sobretudo, com fortalecimento da democracia.…”

Não resta dúvida de que o governo Lula realmente intensificou a distribuição de renda, que já se iniciara, como demonstram os indicadores sócio-econômicos, no governo anterior de Fernando Henrique Cardoso. O Brasil, embora ainda seja um país de grande concentração de renda e de uma desigualdade social ainda vergonhosa, tem diminuído esta diferença, ainda que não se tenham criado condições para que tal mudança seja consistente.

Entre 2003 e 2008, segundo o IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicada) do Ministério do Planejamento, “…a população indigente caiu quase pela metade, saindo de 6,04 milhões para 3,12 milhões nos cinco anos. Os pobres são 11,35 milhões, ante os 15,44 milhões do começo do período, e os ricos passaram de 362,26 mil para 476,59 mil…” (Cai número de pobres e indigentes no Brasil, mostra IPEA. Disponível em: http://oglobo.globo.com/economia/mat/2008/08/05/cai_numero_de_pobres_indigentes_no_brasil_mostra_ipea-547583464.asp Acesso em 04 mar. 2010).

A existência de programas de redistribuição de renda é, sem dúvida, algo que deve ser apoiado pelos seguidores do Evangelho de Jesus Cristo, visto que as Escrituras Sagradas mostram, claramente, que é da vontade de Deus que não haja gritantes diferenças entre as pessoas numa sociedade, como se verifica de instituições criadas por Deus para Israel como o ano do jubileu (Lv.25) e a lei da respiga (Lv.19:9,10), até porque sempre existirá a pobreza (Jo.12:8)..

No entanto, programas de redistribuição de renda têm de ser acompanhados de mecanismos que criem condições para que a ajuda emergencial seja temporária e se permita aos necessitados condições para que tenham como adquirir seu sustento por meio do trabalho, que é a forma estabelecida por Deus para a sobrevivência do homem sobre a face da Terra (Gn.2:15; 3:17-19).

O trabalho é essencial ao homem, porque, por meio dele, o homem se assemelha ao seu Criador (Jo.5:17). Jesus, mesmo, deu o exemplo sendo um carpinteiro enquanto não se dedicou ao Seu ministério salvífico (Mt.13:55; Mc.6:3).

Os instrumentos existentes em Israel promoveriam, se fossem respeitados pelos israelitas, uma distribuição de renda mais justa e não permitiriam a opressão dos pobres, que ficavam à mercê dos ricos, precisamente o que foi denunciado pelos profetas no período final da história dos reinos independentes seja de Israel, seja de Judá, como vemos, por exemplo, em Amós (Am.2:6,7; 4:1; 5:11,12) e em Miqueias (Mq.2:1,2; 3:1-3).

Destarte, se é necessária uma política de redistribuição de renda, que faça com que se diminua a distância abissal entre os mais ricos e os mais pobres em nosso país, isto deve ser feito de forma permanente.

O que se tem verificado é que os programas de redistribuição de renda têm sido desacompanhados de outros mecanismos que permitam aos seus beneficiários terem independência do governo, tanto que, apesar da diminuição da desigualdade, o número de beneficiários do Bolsa-Família aumentou ainda mais, sendo certo que, neste ano de 2010, foi adiado para o dia 1º de novembro (não coincidentemente um dia depois da data prevista para um eventual 2º turno das eleições presidenciais), a aplicação dos critérios para exclusão de quem não mais necessita do benefício, que hoje atinge 12,9 milhões de pessoas, depois que o próprio governo ampliou o universo de beneficiários em 2009.

Como se isto fosse pouco, notamos que, embora no Orçamento de 2010 esteja previsto gasto de R$ 13,1 bilhões com o Bolsa-Família e de R$ 7,26 bilhões com o programa Minha Casa, Minha Vida , com juros da dívida interna, o Governo gastará R$ 172 bilhões, ou seja, 8,44 vezes mais.

Sem levar em conta as medidas que favoreceram o capital em meio à crise econômico-financeira, que representaram uma renúncia de R$ 12,4 bilhões em tributos, antes das prorrogações, tendo, ao todo, mobilizado cerca de R$ 483 bilhões para os mais diversos setores da economia, valor que representa 23,72 vezes mais que o que se gasta com os dois principais programas.

É evidente que a ajuda do governo em meio à crise tem um alcance social inegável, pois impediu o aumento do desemprego e a estagnação econômica do país, mas a diferença de valores mostra como ainda estamos longe de uma redução da desigualdade social, de um tratamento mais equilibrado e igualitário, apesar do discurso petista, mais ainda quando se verifica o “inchaço” da Administração com o preenchimento dos cargos em comissão pela militância petista, que gastou R$ 1,2 bilhão em 2009, quando, em 2002, o gasto era de R$ 555 milhões. Isto significa que o gasto com os “companheiros” chega a quase 10% do gasto com o Bolsa Família, sendo que são 22.897 ocupantes de cargos e 12,9 milhões de pessoas os beneficiários do Bolsa Família, numa evidente desigualdade.

Mas não é só!

Como afirma o jornalista Vinicius Torres Freire, editor de Economia da Folha de São Paulo, o governo Lula é um dos grandes responsáveis pela criação de “conglomerados econômicos” em nosso país (FHC privatiza, Lula conglomera. Folha de São Paulo, 02 fev. 2010. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi0202201015.htm Acesso em 02 fev. 2010), o que contribui enormemente para a concentração de renda e para um quadro que facilita a perpetuação da desigualdade. Interessante notar que boa parte destes “impérios empresariais” surgidos nestes oito anos de governo Lula têm sua base em “empreiteiras” (Odebrecht, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez), cujas ligações com os políticos e as malfeitorias por eles praticadas é dispensável mencionar e as operações da Polícia Federal estão aí para mostrar (para não dizer que se trata de “intriga da oposição” ou de “conversa fiada” do que os petistas costumam denominar de “opinião publicada”).

Aliás, no biênio 2009/2010, segundo Vinicius Torres Freire, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) terá R$ 180 bilhões do Tesouro Nacional (ou seja, 8,84 vezes mais do que o reservado para os dois principais programas sociais do governo), para atuar na economia, principalmente para ajudar este processo de concentração, que também foi vista no setor de carnes (JBS), no setor de alimentos (Perdigão-Sadia), da telefonia (Oi), celulose (Aracruz-Votorantim) e até no comércio varejista (Pão de Açúcar-Casas Bahia).

Não bastasse isso, temos os “fundos de pensão”, os grandes “investidores privados” do país, quase todos eles controlados por “companheiros” advindos das burocracias sindicais e que fizeram carreiras nas empresas estatais e sociedades de economia mista que criaram estes fundos (Previ, do Banco do Brasil; Petros, da Petrobrás; Funcef, da Caixa Econômica Federal, entre outros), os quais, também, contribuem enormemente para que se façam os “negócios” que levam à concentração de renda, gerando, assim, o que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso denominou de “…a aliança entre o Estado, os sindicatos, os fundos de pensão e os felizardos de grandes empresas que a eles se associam.” (Para onde vamos. Estado de São Paulo. 01 nov. 2009. Disponível em: http://blog-abulafia.blogspot.com/2009/11/para-onde-vamos-por-fernando-
henrique.html Acesso em 02 nov 2010).

Com a palavra a Folha de São Paulo, em editorial de 8 de março de 2010: “O PATRIMÔNIO dos fundos de pensão fechados no Brasil cresceu rapidamente nos últimos anos e atingiu quase R$ 500 bilhões em fins de 2009. Há, além disso, uma forte concentração dos recursos em fundos patrocinados por empresas estatais -os três maiores do país (Previ, Funcef e Petros) detinham em novembro de 2009 um patrimônio de R$ 219 bilhões, equivalente a 45% do total do setor. É por meio deles -e do BNDES- que o governo vem aumentando sua influência nos principais setores da economia.(…). Os fundos de pensão patrocinados por empresas públicas estão sendo metamorfoseados em instrumentos de poder político, a serviço do governo de plantão e da burocracia sindical que hoje domina as representações de empregados e empregadores.(…). O problema é o enfraquecimento dos freios e contrapesos institucionais que estão na base de uma fiscalização eficaz. Com isso, abre-se caminho para a fusão de interesses entre governo, sindicatos, fundos de pensão e empresários favoritos, que, se perenizada, pode vir a representar até uma ameaça ao bom funcionamento da democracia.…” (FOLHA DE SÃO PAULO. Estado empresarial. 8 mar. 2010. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0803201001.htm Acesso em 08 mar. 2010).

A propósito, a ajuda do BNDES não se limita a atividades destes “conglomerados” no país. Segundo notícia publicada na Folha de São Paulo: “…Em 2009, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) bateu o recorde em sua linha de financiamentos às exportações de serviços e bens brasileiros para a América Latina e o Caribe: desembolsou US$ 726 milhões a países da região, sobretudo para a contratação de obras de infraestrutura, realizadas por empreiteiras brasileiras. Na média anual do primeiro mandato de Lula (2003 a 2006), os desembolsos ficaram em US$ 352,1 milhões -cifra 26% superior à média do segundo governo FHC. Essa média subiu 77% no segundo mandato de Lula, para US$ 622 milhões, segundo dados compilados a pedido da Folha. Lançada em 1997, a linha especial de crédito já movimentou US$ 4,9 bilhões na América Latina.(…). Entre as construtoras, a Odebrecht, há 30 anos no mercado externo, foi a maior beneficiada. Dos cerca de US$ 600 milhões que a empresa recebeu em 2009 dessa linha do BNDES, 80%, ou US$ 480 milhões, foram referentes a contratos na Argentina e na República Dominicana -o restante corresponde a Angola.…” (ANTUNES, Cláudia e SOARES, Pedro. BNDES bate recordes de desembolsos à AL. Folha de São Paulo, 08 mar. 2010. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/dinheiro/fi0803201007.htm Acesso em 08 mar. 2010).

Não é de impressionar que os megaempresários do país sejam grandes entusiastas da continuidade do governo Lula, como nos mostrou, recentemente, Abílio Diniz, na posse do novo presidente do Grupo Pão de Açúcar. Como diz o sociólogo Francisco de Oliveira, em reportagem da Folha de São Paulo, “…o segundo[ o presidente Lula, observação nossa], ao favorecer a fusão de empresas, promove uma ‘centralização de capitais de uma forma que o Brasil jamais viu’ (ANTUNES, Cláudia. Capitalismo de FHC é de museu, diz sociólogo. Folha de São Paulo. 11 mar. 2010. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1103201006.htm Acesso em 11 mar. 2010).

Ora, como falarmos em uma real e consistente redistribuição de renda, de maior igualdade entre os cidadãos, se vemos as “vacas de Basã” (Am.4:1), cada vez mais fortes e mais livres para “oprimir os pobres”, “quebrantar os necessitados” e dizer aos seus senhores (o governo): “Dá cá e bebamos”?

Ah, poderá alguém dizer, como querermos fazer uma crítica fundamentada ao governo Lula tomando um editor da “Folha de São Paulo” ou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso como parâmetros, conhecidos “inimigos” do PT?

Com a palavra o presidente do IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), órgão do Ministério do Planejamento, Márcio Poichmann, “petista de carteirinha” e que, inclusive, foi secretário da ex-prefeita de São Paulo, Marta Suplicy: “…O avanço das políticas públicas de caráter distributivo permitiu, em consequência, reduzir e até superar a pobreza extrema, quando não a absoluta, mesmo sem contemplar medidas contra a concentração da renda e riqueza.(…). Se os pobres pagam mais tributos proporcionalmente à renda que os ricos, as políticas distributivas podem reduzir a pobreza sem, contudo, diminuir decisivamente a concentração da renda e da riqueza. Por conta disso, a antiga medida de pobreza assentada no conceito de insuficiência de renda para atender determinado padrão de consumo mínimo ou básico passou a ser substituída pela medida de pobreza relativa. Ou seja, a pobreza que considera as condições de vida alcançada pelos ricos (concentração da renda), não somente o limite mínimo da sobrevivência ou da reprodução humana.(…) Foi nesse contexto que as políticas públicas distributivas (saúde, educação, transferência direta de renda) foram combinadas com as políticas redistributivas, o que tornou o sistema tributário comprometido com a justiça social. A progressão tributária sobre a distribuição da renda, acompanhada por políticas distributivas, possibilitou combater efetivamente as diferentes formas de pobreza. Essa é a fase em que o Brasil se encontra atualmente, e precisa urgentemente avançar.…” (Pobrezas. Folha de São Paulo, 05 fev. 2010. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0502201008.htm Acesso em 05 fev. 2010).

Pelo que se verifica, pois, também este integrante do governo Lula admite que a concentração de renda não diminuiu apesar da política empreendida e que é preciso avançar.

O que propõe a respeito o programa apresentado pelo PT à sociedade brasileira?

Vejamos o programa:

“…20. As possibilidades abertas para a sociedade com os grandes avanços científicos e tecnológicos, combinadas com a necessidade de expansão do mercado interno e a dura competitividade global, que a crise acentuou, exigem uma profunda transformação do sistema produtivo. Essa mudança já foi iniciada em muitos setores. Deve prosseguir a abordagem sistêmica, indutora e focada nas demandas das cadeias produtivas nacionais e do consumo. É necessário ampliar a articulação entre os diversos planos de desenvolvimento, como os PAC 1 e 2, com outros planos setoriais e das empresas estatais.

21. Para tanto, será necessário:

a) aprofundamento das políticas creditícias para o setor produtivo por parte do BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, BNB e BASA. Os bancos devem orientar-se para a produção e o consumo, a custos cada vez menores, de modo a promover o emprego e a renda em um quadro de estabilidade monetária;

b) apoio à internacionalização das empresas brasileiras, garantido o interesse nacional e respeitada a soberania e as leis das nações;

O programa, pelo que se verifica, defende a continuidade do processo, sem qualquer avanço para o fim do que Poichmann chama de “pobreza relativa”. É a perpetuação da “aliança” mencionada pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. É a política da alimentação crescente das vacas de Basã, o que não pode ser aceito por quem segue a Palavra de Deus.

A propósito, vemos aqui a concretização daqueles dois obstáculos que o Papa João Paulo II identificava como fatores alimentadores das estruturas sociais de pecado, “in verbis”: “ …As ações e as atitudes opostas à vontade de Deus e ao bem do próximo, e as estruturas a que elas induzem parecem ser hoje sobretudo duas: ‘Por um lado, há a avidez exclusiva do lucro; e, por outro lado, a sede do poder, com o objetivo de impor aos outros a própria vontade. A cada um destes comportamentos, pode juntar-se, para os caracterizar melhor, a expressão ‘a qualquer preço’ (Encíclica Solicitudo rei socialis, nº 37). “ (PONTÍFÍCIO CONSELHO “JUSTIÇA E PAZ”. Compêndio da doutrina social da Igreja, nº 119. Trad. CNBB. São Paulo: Paulinas, 2005, p.77)

Não bastasse a manutenção de um perfil de desigualdade pelo atual Governo, que se pretende continuar no “pós-Lula”, o programa de redistribuição de renda, embora justo e digno de aplauso e apoio, tem se desvirtuado perigosamente em moeda eleitoral, em modalidade moderna de “voto de cabresto”, sendo o principal responsável pela dianteira da candidatura governista (a pesquisa Datafolha de final de fevereiro mostra que, entre os beneficiários do programa, a candidata governista alcança 40% das intenções de voto, contra apenas 25% do principal candidato da oposição), já que não há qualquer interesse em se fiscalizar se os beneficiários já têm perfil que os permita sair da dependência do benefício, ante o adiamento oportunista para só depois da eleição do cancelamento dos que não se recadastraram em 2009, o que atingiria, segundo dados, cerca de 975 mil pessoas.

Tal estado de coisas é de se lamentar, pois representa a negação de princípio bíblico de que a economia deve ser baseada no trabalho, pois só assim se terá a dignidade da pessoa humana, princípio, aliás, que está inserido na Constituição da República (artigo 170, “caput”).

Urge, pois, prosseguir com o programa de redistribuição de renda, mas, também, criar mecanismos para que esta redistribuição permita ao beneficiário de hoje tornar-se alguém que não mais dependa do benefício amanhã, não se cedendo à tentação da transformação destes programas em “reserva eleitoral”, em “currais eleitorais”, máxime quando a votação do PT começa a crescer nos “grotões” do país.

Com efeito, como nos dá conta o jornalista político Políbio Braga, “…O PT que nasceu urbano virou um partido dos grotões. Foram os votos obtidos nos pequenos municípios com no máximo 10 mil eleitores que permitiram ao PT crescer 33% neste ano[2008, observação nossa], em números de prefeituras conquistadas, em comparação com a eleição de 2004. Os dados atualizados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que nessas cidades pequenas, o PT elegeu 277 prefeitos. Nas eleições de 2004, o partido elegeu 219 prefeitos nessas cidades e em 2000, foram apenas 77. Nas cidades com até 20 mil eleitores, o PT também cresceu - foram 45 prefeituras a mais do que nas eleições passadas, um aumento de 59%.’A boa imagem do presidente está muito ligada a esse perfil de eleitor. O discurso do presidente é adequado justamente para esse perfil’, explicou o cientista político Leonardo Barreto, da Universidade de Brasília (UnB). Além disso, diz o pesquisador, os principais programas do governo, como Bolsa Família e Luz para Todos, estão voltados principalmente para essas pequenas cidades, que carecem de infra-estrutura e dependem fortemente de recursos federais, o que acaba ajudando na eleição de candidatos aliados a Lula.
Essa tática do PT confirmada no domingo inverte a orientação do partido quando foi fundado, em 1980.…” (O PT virou o partido dos grotões. Tribuna da Imprensa, 08 out. 2008. Disponível em: http://polibiobraga.blogspot.com/2008/10/o-pt-virou-o-partido-dos-grotes.html Acesso em 08 mar. 2010).

Não se vê, pois, num projeto de poder, interesse por parte do Partido dos Trabalhadores de abrir mão destes “currais eleitorais”, que o torna o verdadeiro “coronel do século XXI”.

A propósito, é André Singer (Raízes sociais e ideológicas do lulismo, Novos Estudos, n.95, nov. 2009, pp. 82-103. Disponível em: http://novosestudos.uol.com.br/acervo/acervo_artigo.asp?idMateria=1356 Acesso em 28 jan. 2010) que foi assessor de imprensa do Presidente Lula no primeiro mandato, quem mostra que já em 2006 o PT conquistara esta faixa do eleitorado, que compõe o que se denomina de “subproletariado”, entendidos como os que têm uma renda mensal básica de até um salário mínimo mensal, que são “conservadores”, ou seja, sempre apoiam aqueles que demonstram que haverá reais perspectivas de melhora de vida sem rupturas, sem alteração da ordem, levando a população, que se beneficia com as “migalhas” dos gastos governamentais, a votar num discurso de continuidade e de garantia de sobrevivência.

Tal estudo somente reforça o que disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso recentemente: “…A tendência que vem marcando os últimos 18 meses do atual governo nos levará, pouco a pouco, para um modelo de sociedade que se baseia na predominância de uma forma de capitalismo na qual governo e algumas grandes corporações, especialmente públicas, unem-se sob a tutela de uma burocracia permeada por interesses corporativos e partidários. Especialmente de um partido cujo programa recente se descola da tradição democrática brasileira, para dizer o mínimo. Cada vez mais nos aproximamos de uma forma de organização política inspirada em um capitalismo com forte influência burocrática e predomínio de um partido.(…) o resultado será o mesmo: pouco a pouco, o “pensamento único”, agora sim, esmagará os anseios dos que sustentam uma visão aberta da sociedade e se opõem ao capitalismo de Estado controlado por forças partidárias quase únicas infiltradas na burocracia do Estado.…” (Hora de união. Disponível em: http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?edition=14422&local=1§ion=1012&source=a2861196.xml&template=3898.dwt&uf=1 Acesso em 10 abr. 2010).

Vemos assim que tanto o ex-assessor de imprensa do presidente Lula quanto seu antecessor concordam neste ponto, o que, uma vez mais, descarta a ideia de que estamos a nos basear em pensamentos preconceituosos ou antecipadamente contrários ao atual governo e seu partido.

Com relação a este tema, a resolução do PT anuncia que o novo governo se compromete com “…aprimoramento permanente dos programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, para erradicar a fome e a pobreza, facilitar o acesso de homens e mulheres ao emprego, formação, saúde e melhor renda; transição do Bolsa família para a Renda Básica de Cidadania – RBC, incondicional, como um direito de todos participarem da riqueza da nação, conforme prevista na Lei 10.853/2004, de iniciativa do PT, aprovada por todos os partidos no Congresso Nacional e sancionada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 8 de janeiro de 2004…” (item 19 “f” e “g” da resolução).

Nota-se, pois, uma preocupação em se melhorar o programa e em se tornar o Bolsa Família em Renda Básica da Cidadania, o que, confessadamente, não se fez há seis anos. Há, pois, uma nítida acomodação na proposta, a nos revelar que, neste ponto, o futuro governo pretende ser uma “continuidade” do atual, cuja insuficiência é manifesta, até porque o “assistencialismo” rende votos e está plenamente de acordo com o projeto de poder do partido.

Tanto assim é que, quando está a prometer “crescimento de renda dos trabalhadores”, o programa é assaz abstrato, “in verbis”: “crescimento da renda dos trabalhadores, não só pelos aumentos salariais, mas por eficientes políticas públicas de educação, saúde, transporte, habitação e saneamento;” (item 19 “e”), a demonstrar um verdadeiro interesse em manutenção da atual política de distribuição de renda de forma dependente e submissa aos “coronéis do século XXI”. Como disse o jornal gaúcho Zero Hora em editorial de 26 de junho de 2008, quando foi sepultada Ruth Cardoso, que, como admite o próprio ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome do governo Lula, Patrus Ananias, foi quem “…pôs na agenda do governo o combate à pobreza e lançou as sementes dos programas sociais do governo Lula…” (WEBER, Demétrio e BARBOSA, Adauri Antunes. Ruth Cardoso: ela mudou o social. O Globo, 20 dez. 2008. Disponível em: http://portaldovoluntario.org.br/blogs/54354/posts/1953 Acesso em 08 mar. 2010): “…uma política de assistência social só será transformadora se estabelecer como condição e tiver como objetivo dar ao assistido instrumentos para seu avanço social e sua libertação como pessoa” (ZERO HORA. Necessidade e assistencialismo. Disponível em: http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default2.jsp?uf=1&local=1&source=a2000483.xml&template=3898.dwt&edition=10144§ion=66 Acesso em 08 mar. 2010).

A proposta do Evangelho é, aliás, a de fazer o homem depender única e exclusivamente de Deus. O apóstolo Paulo ensina-nos que “…o que é chamado pelo Senhor, sendo servo é liberto do Senhor e, da mesma maneira, também o que é chamado sendo livre, servo é de Cristo. Fostes comprados por bom preço: não vos façais servos dos homens.” (I Co.7:22,23).

Por isso, razão tem o blogueiro cristão Júlio Severo quando diz que “…Ao cidadão cristão, resta, como fez seu Mestre Jesus, rejeitar a tentação moderna de Satanás através de ofertas de bolsas-famílias e bolsas-concessões e dizer: ‘Não, aquele político ou este governo não é meu salvador para suprir minhas necessidades básicas. Jesus é meu Deus e só votarei num político que respeite as atribuições que Deus deu ao Estado’ (Você decide: quem será o salvador do Brasil? Disponível em: http://juliosevero.blogspot.com/ Acesso em 08 mar. 2010).

O Evangelho exige que qualquer governo priorize a diminuição das desigualdades sociais bem como permita a todo homem condições para que possa sobreviver, com dignidade, através do fruto do seu trabalho. Entretanto, projetos de poder que tenham como objetivo a criação de uma dependência de sobrevivência a uma submissão a um governo, cada vez mais poderoso em virtude de um processo de concentração de renda cada vez mais intenso, não têm apoio algum por parte dos que seguem a Cristo Jesus.

O profeta Amós denunciava aqueles que “…vendiam o justo por dinheiro e o necessitado, por um par de sapatos” (Am.2:6). Deus continua o mesmo, Aquele que não admite que o ser humano se transforme em “moeda eleitoral”, em “mercadoria” para a manutenção do poder.

O programa apresentado pelo Partido dos Trabalhadores mantém este “statu quo” e, por isso, não pode ter o apoio daqueles que seguem a Cristo Jesus, os quais desejam uma política de distribuição de renda que diminua realmente a desigualdade social e que traga reais condições de libertação dos pobres.

Lembramos, a propósito, a parte final do sexto mandamento do Decálogo do Voto Ético, formulado pela Associação Evangélica Brasileira (AEvB), entidade que não pode ser considerada “antipetista”, como poderiam dizer do blogueiro Júlio Severo há pouco mencionado. Diz referido mandamento: “…Um político de fé evangélica tem que ser, sobretudo, um evangélico na política e não apenas um ‘despachante’ de igrejas. Ao defender os direitos universais do homem, a democracia, o estado leigo, entre outras conquistas, o cristão estará defendendo a Igreja” (Disponível em: http://www.montesiao.pro.br/estudos/politica/decalogo_voto.html Acesso em 08 mar. 2010).

Ora, se um político de fé tem de defender os direitos universais do homem, como aceitarmos a defesa do “voto de cabresto”, a dependência de homens a outros para sobreviver, em troca de um prato de comida, ainda que na forma de um cartão magnético de saque mensal?

Como admitir que a política se faça na base do “despachante de bolsas-família”? Evidentemente que não é esta a linha que pode ser adotada por quem cristão se diz ser. Por isso, não há como deixar de reconhecer que não há como um verdadeiro cristão apoiar referido programa de governo e a candidatura nele baseada.

* Grupo Interdisciplinar Bíblico de Estudos e Análises - Análises – grupo informal de estudos bíblicos nascido na década de 1990 no corpo docente da Faculdade Evangélica de São Paulo (FAESP) e que hoje tem vida autônoma e esporádica produção.

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